Uma Parte do Inesquecível

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"Rebeca está atrasada". 

             Foi a primeira coisa em que pensei no momento em que acordei. Olhei para o homem que dormia sentado à minha frente e percebi que deveria sair dali sem fazer nenhum barulho. Empurrei com cuidado as cobertas que me cobriam e senti um vento gelado percorrer o meu corpo e arrepiar minha espinha. Estava frio lá fora. Olhei para o teto acima de mim e vi os flocos de neve cobrindo o teto. Uma maravilha da natureza. Peguei a mochila de Rebeca e fui caminhando até a saída do cômodo, quando o chão rangeu sob meus pés.

-Bom dia, pequena fugitiva. - Estremeci. Não gostaria que Javier pensasse que eu estava fugindo dele. Eu só não queria que ele fosse a alma gêmea de Rebeca. Mas era inevitável. - O que vamos fazer hoje?

- Não é o que nós vamos fazer, mas sim o que você vai fazer. Eu preciso ir embora. 

-Óbvio que não. - Ele esfregou os olhos. Mesmo de manhã, acordando depois de uma noite de sono mal dormida, ele preferiu não reclamar. Estava com olheiras, mas desprezou-as. Os cabelos bagunçados davam-lhe um ar engraçado. E ainda assim, ele me parecia perfeito. A que ponto cheguei. Usando a palavra perfeito. - Ainda há coisas legais para conhecer dentro e fora da cidade. Lugares que eu gosto. 

-Quer fazer uma lista dos lugares nos quais pretende ir? - Perguntei. E na mesma hora me arrependi de ter falado aquilo. 

-Já os tenho na cabeça. Está nevando hoje. Tenho ideias muito boas. 

            Ele segurou minha mão e carregou-me para o lado de fora. Seus lábios estavam ressecados por causa do frio, e eu tive vontade de beijá-lo. Mordi meu lábio inferior e repreendi-me pelo pensamento. A neve estava caindo majestosamente. Nem com muita força, nem com leveza demais. Deixei que alguns flocos caíssem nas minhas mãos para depois limpá-los. Eu gosto do frio. Sempre gostei. 

-Uma rosquinha de cobertura de morango de policiais pelos seus pensamentos. - Ele diz. 

-Não gosto de morango. - Eu disse. 

-Nem eu. Mas supus que você gostasse. Então, com cobertura de chocolate.

-Assim é bem melhor. Não estou pensando em muitas coisas. Apenas como a neve é bonita. Aonde você irá me levar hoje?

-A um lugar especial. - Ele chamou um táxi. Abriu a porta de trás para mim e sentou-se no banco do carona. Falou algo com o motorista - que eu não entendi - e sorriu para mim. Sorrio de volta. Seguimos durante todo o trajeto em silêncio, e surpreendo-me por não ouvir nenhuma palavra vinda de Javier. Por fim, chegamos ao nosso destino.

-Aeroporto? - Eu gritei. - Javier, para onde você está me levando?

-Não se preocupe. - Ele pagou o motorista e segurou minha mochila. - Tem roupas suas aí dentro, não é? Vamos ficar apenas por metade de um dia. É só uma surpresa. Vamos. 

              Ele comprou as passagens e pediu para que eu o esperasse sentada. Depois que ele volta com as passagens em mãos, eu procuro ver o destino. 

-Buenos Aires? A capital? 

-Sim. Nada melhor do que passarmos algumas horas lá. E voltarmos depois. Fique tranquila, não se desespere. Tem alguns lugares legais lá. 

-Você é louco. - Eu disse, mas estava sorrindo. Em uma atitude involuntária e impensada, joguei meus braços em seu pescoço. Eu estava abraçando-o. Ele demorou alguns segundos para corresponder, mas logo senti dois braços envolverem minha cintura. Repousei sua cabeça em seu ombro. E ficamos ali por um tempo que pareceu uma eternidade, mas que foram apenas alguns segundos. Eu estava extasiada. Não sabia o quanto um abraço poderia ser tranquilizador e poderoso. Eu me soltei de seus braços e corei, envergonhada. Ele sorriu para mim. 

-Sabia que iria gostar. - Conduziu-me com precisão até o portão de embarque. Entramos no avião. Ele parecia estar completamente tranquilo, mas eu estava suando, porque aquela seria minha primeira viagem de avião. - Há algum problema, Rebeca?

-Nenhum. - Gaguejei. - É, só que... Que...

-Primeira vez, não é?

-Sim. - Não sabia se Rebeca alguma vez tinha entrado em um avião e nem procurei pensar se realmente ela o havia feito. Eu queria poder apenas ser eu mesma. - Primeira vez. E acho que estou nervosa. - Ele apertou o cinto de segurança ao redor da minha cintura e repetiu o movimento consigo mesmo. Logo, segurou minha mão.

-É rápido. E vai ficar tudo bem. - Ele sorriu. E o avião começou a decolar. A pressão nos meus ouvidos era um tanto quanto enjoada, mas eu ignorei. Logo, o avião estava voando de forma estável. E a sensação era deliciosa. Meus olhos estavam pestanejando, e eu percebi que estava com sono. - Vá dormir, pequena. - Ele me diz. E a solenidade do seu rosto enquanto dizia isto me fez ter vontade de beijá-lo cada vez mais. Virei-me e cochilei. - Rebeca. Rebeca. - Ouvi sua doce voz me chamando, anunciando que chegamos. Ele tira o meu cinto e pega nossas bagagens. - Vamos. 

              Eu estava feliz e descansada. Colocamos nossas mochilas nas costas e andamos. Eu o segui, porque realmente não fazia ideia de para onde ele me levaria. Paramos em frente a um hotel. Ele pagou uma diária para nós e subimos até a suíte. Era uma suíte presidencial. Ele implorou para que eu tomasse um banho. Tomei. E depois que saí do banho, com a toalha enrolada em meu corpo, olhei para um lindo vestido vermelho que estava pendurado na cabeceira da cama. Peguei o vestido e coloquei em meu corpo. Javier sabia exatamente as medidas de Rebeca. O vestido havia ficado perfeito. Coloco uma sandália baixa, faço a maquiagem e arrumo os cabelos. Estou pronta.

-Oi. - Falei, assim que vi Javier encarando a televisão no outro cômodo da suíte. Ele ergueu os olhos até me encontrar. Parou por alguns instantes, me observando. 

-Você está linda. Gostou do meu presente?

-Não poderia ser diferente. 

               Ele chamou um táxi. Deu um endereço ao motorista. E desta vez, ele conversava animadamente, me perguntando sobre a sensação de estar voando. O motorista para em uma rua iluminada. Quando me dou conta, estamos parados em frente à um parque de diversões. Javier abriu a porta para mim e me segurou pela mão. Conduziu-me com cuidado até a entrada do parque. 

-Vamos nos divertir. - Ele diz. 

              Seus olhos percorreram o parque, e pararam em um brinquedo. Roda-gigante. Entramos na cabine da roda enorme e eu estremeci de medo. Ela foi subindo, e subindo, cada vez mais alto. E quando estávamos no topo, eu quase pude olhar a cidade de Buenos Aires por completo. A roda era enorme e causava calafrios pelo meu corpo. Meu coração batia com tanta força que até mesmo Javier podia ouvi-lo. Eu fechei os olhos. Encostei minha cabeça no ombro de Javier. Senti sua mão leve em meu queixo. E ele levou seus lábios aos meus. 

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