Sombras, doces Sombras

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O meu pescoço estava sendo envolvido por sua mão. Minhas veias pulsavam com força, e vi no reflexo do vidro minha palidez.


-Ghr... - Tentei balbuciar algo, mas não conseguia. Ele ria com a minha estupidez. Fora muito mais rápido do que eu. Afrouxou as mãos em meu pescoço e me deu uma joelhada nas costas. Caí com o rosto no chão. Com muita dificuldade levei as mãos ao pescoço para ver se eu ainda estava intacta. Fiz menção de virar-me, e ele me deu um pontapé em ambas as canelas. Urrei de dor. Não conseguia saber o que estava acontecendo ao meu redor. Tudo embaçado. Nem mesmo a minha garganta conseguia produzir algum tipo de som límpido.


-Esperei tanto por isso. Pegar a líder deles e fazer dela um biscoitinho triturado. - Ele riu com seus colegas. Não consegui ao menos sentir fúria. Minha cabeça tonta e meus olhos embaçados já eram problemas bons o suficientes para eu lutar contra.


-HA! HA! - Ri desesperadamente e nervosamente.


-Qual é o problema, imprestável? - Os olhos possessos me encaravam.


-Até parece que você vai me matar. - Fiquei de costas para o chão, me apoiei em meus braços e sentei. - Você não vai me matar. Eu sou tão importante, que te passaram a ordem de me ameaçar, e não de me matar.


-Você acha mesmo que eu sou feito apenas para ameaçar pessoas, Cupido?


-Você é feito para seguir ordens do seu amo. - Ri de novo, debochando de seu rosto vermelho. - Que neste caso, é o Ódio. E ele mesmo me disse que quer me matar com as próprias mãos. Você não tem ordens nenhumas para me matar. Volta pro seu amo, cachorrinho.


Coloquei-me de pé e vi os três Cupidos que eu deveria resgatar. Sorri para eles.


-Então, nobres amigos... Acho que os Sombras aqui precisam acordar para a vida. Vocês concordam? - Falei em tom de brincadeira, e eles menearam a cabeça em afirmativo. - Então, Sombras... Vamos brincar.


Puxei uma faca de dentro da minha mochila. Atingi um sombra atrás de mim. As luzes da estação de metrô começaram a piscar. Os sombras estavam controlando as luzes. Em poucos segundos estavam apagadas e eu necessitei apenas de minha audição para percebê-los.


Vazio. Tudo estranhamente quieto. Meus colegas já deviam ter desembainhado as armas. Sinta, Cupido, sinta, me ordenei. O escuro não poderia afetar minha capacidade de lutar ou de sobreviver. Senti dois pares de olhos em cima de mim.


-Hora da brincadeira. - Sussurrei, mesmo sabendo que todos poderiam me ouvir. Agachei-me e passei a faca pelos dois Sombras. O barulho feito por suas mortes causou um pandemônio na estação, e eu já podia ouvir os gritos de todos. Um vento correndo pelas pernas, outro pelos cabelos, eu sentia. E meu pulso girava com facilidade rasgando os corpos delgados dos Sombras. Até que restou apenas o silêncio. -Vocês estão bem?- Perguntei. E ouvi um satisfatório sim em conjunto, as vozes de todos presentes. Suspirei em alívio. - Subam. Estou ansiosa por claridade.


(...)


-Não conseguimos salvá-la. - Olhávamos todos para o corpo estirado de uma de nós. - Os Sombras não foram piedosos.


-Não podemos esperar piedade de quem não tem ao menos um coração. - Peguei em suas mãos brancas. O rosto pálido. Face a face com a morte, eu não consegui nem ao menos me sentir triste ou intimidada. Minhas condolências foram feitas mentalmente. - Levem-na para um funeral. Cremem-na. Não sei, decidam entre si o que será melhor para a moça. - Acenei com a mão para que fossem. Aparentemente, ficaram assustados com a minha falta de cordialidade em um momento triste. O momento não havia me tocado. Afinal, eu nem mesmo a conhecia.


Peguei as minhas coisas e fui para o quarto do hotel. Gabriel já estava lá, e eu nem havia percebido que ele estava ausente de toda aquela discussão. 

-Não quis participar do enterro? 

-Não mesmo. - Balançou a cabeça. - Muito macabro, até para mim. - Risada irônica. Pude perceber seu rosto se contraindo levemente, as covinhas expressivas de seu rosto dando lugar a uma expressão suave e tranquila. Os olhos estreitaram-se, e observei seus enormes cílios. Como pensar em Gabriel de outra forma? Como imaginá-lo sem o sedoso cabelo loiro, sem o porte atlético e as adoráveis covinhas? Meu rosto contraiu-se, e sorri sem ser permitida. - O que foi?

-Nada. - Menti. 

Enrolei uma mecha de cabelo nos dedos, sem nem ao menos saber o que dizer. Minha conturbada mente gritava pedindo por respostas sobre mim mesma. E o outro lado dizia que eu nunca acharia respostas confiáveis, fidedignas. Íris... Qual seria o significado deste nome? Coloquei um casaco e desci as escadas. Busquei um computador vazio na sala de recepção do hotel. Sentei-me no computador. Significado de nomes. Íris.

Sério mesmo que você acredita em Javier?

Acha mesmo que aquelas palavras fazem sentido?

Talvez ele nem tenha falado com você.

Foi um sonho.

Você o trata como realidade.

Esqueça-o, Cupido. Esqueça-o.

Sua realidade é: Você nasceu para cuidar das pessoas. Por que esta ansiedade em saber da própria vida?

Não procure saber o significado.

Esqueça.

Esqueça, Íris.

E meus olhos voltaram à tela do computador. O significado estampado no primeiro clique. A pequena mão pertencente ao mouse dirigiu-se ao primeiro link. Minhas mãos tremiam. Por que isso faz tanto sentido? Por que eu realmente sinto que este é o meu nome? Por que Íris?

ÍRIS:"MENSAGEIRA."

O meu coração parou por dois breves segundos, algo parecendo retornar à mente. Os olhos estreitando-se, buscando coisas naquela página da Internet que com certeza não existiam. Buscando uma história que estava contada dentro de mim, e eu só não conseguia encontrá-la.

E eu possuía apenas uma certeza.

A que poderia me levar à vida. 

Ou à morte.

Eu preciso encontrar Javier. 


OOOOOOOOOI! Como estão vocês? É, eu sumi por uns tempos, mas estou de volta, se é que vocês ainda leem a história. Mas eu espero muito que vocês não tenham parado de ler e possam me perdoar, porque agora estarei postando FREQUENTEMENTE. E o que isto significa? Sim, isto significa GREVE. Neste período de greve, que deve durar em torno de uns dois meses, estarei postando os últimos e mais avassaladores capítulos de Memórias, que vão decidir a vida da nossa querida Cupido - ou Íris! O que vocês acham do nome? Obrigada por não desistirem, amo vocês seus lindos!

Helena

MemóriasOnde histórias criam vida. Descubra agora