Surpresa

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Meus músculos doíam, mas eu me forçava a ir cada vez mais alto. Segurava-me nas barras de ferro da Torre, minha respiração ofegante podendo ser ouvida a vários metros de distância. Passei pelo primeiro andar e logo recomecei minha escalada rumo ao segundo. Eu ouvia protestos de Gabriel lá embaixo. Eu sabia que estava sendo inconsequente, sabia que poderia morrer sozinha, mas de que adiantaria ficar parada, olhando mais alguém morrer, e sabendo que isso tudo poderia ter sido minha culpa?


-Você é realmente burra. - Ódio diz quando eu os alcanço. Puxei-me para cima para encarar seus olhos. Ele ficou a poucos metros de mim e poderia jogar-me dali de cima. Uma queda desta altura certamente me mataria. - Por que vir aqui sozinha?


-Porque eu tenho contas para acertar com você. Aonde está Javier?


-Sendo muito bem-servido em nosso quartel-general. Depois de todo o bom trabalho que ele fez, Cupido, não poderia querer mais nada dele. Sabe essas cordas que estão prendendo sua amiga? Foi ele que as comprou. E foi ele que a amarrou aqui no alto. Ele é realmente um gênio, não?


-Por que ele fez isso? - Minha voz saiu chorosa.


-Dinheiro, minha cara, dinheiro. Ele compra todas as pessoas. Inclusive o seu namoradinho.


Chega de conversas. Segurei-me com mais força e andei para o lado, aonde estava a refém. Do lado oposto, o Ódio também se jogava para o lado. Tirei minha faca do bolso da calça. Andei mais um pouco, até que pudesse estar bem perto dela.


-Vou soltar suas mãos primeiro, ok? Não perca o equilíbrio do corpo. - Ela assentiu.


Olhei em seus olhos suplicantes uma última vez antes que eu começasse a fazer meu trabalho. Eu não poderia me desconcentrar. Solto suas mãos, e em seguida, seus pés. Corto uma corda na altura do peito e outra logo abaixo. Sinto meus pés bambearem e caio um pouco abaixo, ralando-me e ficando presa apenas por uma mão. Sim, era óbvio que o Ódio havia feito isso.


-Cadê a sua coragem agora? Aonde ela está, Cupido? - Eu não conseguia mover-me. Continuava presa apenas por uma mão, e ela começava a escorregar. Força, Cupido, força. Seus olhos encontraram os meus, e eu pude ver fogo neles. Ele desceu mais um pouco. Seu pé estava a centímetros da minha única mão conectada à Torre.


-Tchau, tchau, Cupido.


Mas não mesmo. Joguei a minha força toda para cima e segurei suas pernas. Ele segurava-se apenas por duas mãos. Se eu for, você irá comigo. Procurei a minha faca. Ela não estava no meu bolso e já havia saído há muito de minhas mãos. Olhei para cima. Ela já estava solta. Com a minha faca e com as mãos livres, ela conseguiu se soltar. Soltei um brado de vitória. Joguei-me para o lado e me segurei com as duas mãos.


-Desça rápido, agora! - Eu gritei. E descemos. Descer é bem mais fácil do que subir, exige menos força e menos concentração e o que eu mais queria era poder chegar ao chão. Exausto, o Ódio seguia em nosso encalço, mas percebendo que não nos alcançaria. Assim que alcançamos o chão, mando que todos corram.


[...]


Meus ombros doloridos gritavam enquanto a água quente batia neles. Eu tive que admitir que já não tinha mais poder nenhum do amor presente em mim, nem mesmo a minha capacidade de ser resiliente. Todos os acontecimentos rondavam a minha cabeça, como um monte de vozes, algumas sussurrando, outras gritando, uma confusão infinita.

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