Capítulo Três

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José Ferreira

Por dois segundos acabo esquecendo tudo o que aconteceu na noite até aquele momento... de encontrar Pietro Scafidi na casa dos Figueiredos até o momento em que ele me deixou no calçadão lá embaixo, tudo porque meus olhos focam na tela, para os caras que invadem seu apartamento no centro da cidade.

― Cacete, cacete... ― murmuro e pego o meu celular na mão.

Não vou deixar a chance passar, disco 190 e levo o celular na orelha.

* * *

Pietro Scafidi

O propósito da noite era outra... com base em uma ideia ridícula orquestrada por Roberto Figueiredo, sorte a minha não ter dado certo a maior parte do que ele planejou.

Levar o amigo de Daniela até a casa dele foi relaxante, por uns bons minutos me esqueci da responsabilidade que tenho sobre os meus ombros, me esqueci que tenho que reerguer a Scafidi S/A, me esqueci da investigação na Grécia que não abafa com jeito nenhum sobre a chacina que matou meu pai, sobre Maxence ainda estar desaparecido... sobre tantas coisas e...

E por aqueles minutos dentro do meu carro eu me soltei, talvez por não estar muito bem iluminado, e eu ter que prestar mais atenção na estrada a frente do que em José sentado ao meu lado.

Foi uma companhia tão boa que soltei a minha voz... para alguém além do meu chuveiro que sofre com minhas cantorias nos banhos quando tenho um dia animado ― o que vem sendo bem raro ultimamente, para ser sincero.

Batuco os meus dedos no volante e observo a avenida larga na minha frente, trânsito fluído e a noite se preparando para uma típica garoa para a maior cidade da América Latina.

Quando eu era jovem e Lennon e eu viemos para o Brasil para uma visita com uma concorrente dele que queria comprar ações, o solo desse país me conquistou... o calor, a alegria, o típico jeitinho brasileiro que alguns habitantes dão quando passam por dificuldade. Percebi que nem tudo era Samba e Rio de Janeiro, que nem tudo era carnaval e praia, o Brasil ia além do que a TV me mostrava durante toda a minha juventude em Santorini.

São Paulo, a primeira cidade que visitei na América do Sul, uma paixão à primeira vista nessa floresta de concreto...

Claro que sinto falta do constante contato com as águas azuis do Mediterrâneo que banhavam a minha ilha, mas a monocromia de cinzas que eu via nessa cidade naquela época foi um atrativo e tanto.

Foi no Brasil que relaxei pela primeira vez, que me permiti não ser o filho perfeito que meu pai não encontrava em meus irmãos. Eu ansiava por ser o favorito, por fazer tudo que ele queria e isso me privava de muitas coisas que eu deveria ter feito assim que a puberdade se aflorou no meu corpo.

Sempre ficava no escritório de casa, aprendendo com os relatórios e arquivos em suas gavetas, os já fechados, entendia de impostos, royalties e transações, o que era mais adequado, o que lucraria mais, como emular a minha voz para fechar compradores e umas dezenas de outras variantes.

E isso me tirava de fugas como quando Martino arrastou Nicholas para Ibiza quando Tino completou 18 anos e eles passaram 3 dias e 3 noites chapados, ou quando Maxim pegou "emprestado" o iate da família e teve a guarda marítima atrás dele ― Max, com dezesseis anos, dirigindo um iate maior que três lanchas numa área de banhistas... sei que a irresponsabilidade era grande, mas assim como eu, fazíamos muito para ter uma atenção focada e não a generalizada de sempre.

Desacelero o carro no sinal vermelho e espero, a música dá um fade out e preparo para a próxima batida. Se mergulhar em pensamentos ou memórias é uma maneira rápida de fazer o tempo voar e pouco tempo depois, estou estacionando o meu Audi R8 na garagem do meu prédio.

PIETRO - Os Irmãos Scafidi #6 | EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora