Prólogo - Parte I

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José Ferreira

― Você tem que parar com essas manias de querer ficar entrando em todas as causas, José!

Ignoro minha irmã parada na porta do meu quarto enquanto coloco o boné da ONG. Pelo espelho encaro ela, as trancinhas no cabelo recém feitas, o cropped com “Vogue Teen” escrita, a sainha e uma bolsinha com glitter prata... ela está indo encontrar o tóxico do namorado dela e fica reclamando de mim ir protestar?

― Você não entenderia, Marcela, já que vive numa bolha. ― sorrio pelo reflexo e ela abre a boca chocada. ― Acabou?

Ela revira os olhos e sai da porta do meu quarto. Pelo a mochila na minha cama com os pôsteres de cartolina saindo pela boca e saio do meu quarto minúsculo. Sinto o cheirinho de pão de queijo enquanto caminho pelo corredor do apartamento e chego na sala onde encontro...

― ... ele tá sendo grosso de novo comigo, pai! ― Marcela está parada na frente do senhor de bigode grisalho e pele negra e sindico do nosso prédio, e também o nosso pai.

― José... ― começa ele.

― Pai... ― aponto para minha irmã. ― A Marcela fica se metendo em tudo que eu faço! Ela é uma pirralha!

― Eu tenho dezessete, trouxa, já passei dessa fase old que faz tempo.

Reviro meus olhos na direção dela.

― Onde está indo? ― meu pai ignora os múrmuros de Marcela, ele sabe aonde eu vou.

― Hum... vou no Prédio da Zélia. ― respondo.

― Protestar pelos sem-teto, de novo!

Nem dou atenção para Marcela.

― José, é perigoso você ir nessas manifestações meu filho... sem contar que, você sabe que a polícia pega pesado com os pretos.

Suspiro e balanço a cabeça concordando.

― Eu sei. ― respondo. ― Mas também não posso lutar pelos direitos de...

― Aquele prédio nem é daquela gente. ― Marcela tira um Trident da bolsinha dela e começa a mascar o chiclete. ― Eles nem sabem quem é você.

Respiro fundo.

― José? ― nossa mãe vem da cozinha com a forma cheia dos deliciosos pães de queijo que só ela sabe fazer. ― Marcela? ― olha para a minha irmã toda arrumada. ― Não vão ficar para a minha rodada fenomenal de pão de queijo?

― Hoje não, mamãe... comecei uma dieta porque o Tetê notou um pneuzinho em mim. ― ela passa a mão pela barriga que não tem pneu nenhum. Tetê, de Teodoro, o namorado tóxico dela.

― Já falei para não dar ouvidos para ele, Marcela. ― minha mãe suspira e olha para mim, sorrindo. ― Se cuida, Zé.

Balanço a cabeça concordando. Meu celular apita.

― É a Dani. ― digo olhando a mensagem da minha melhor amiga.

― Os pais dela não ficam com medos dela vir para o nosso bairro? ― pergunta Marcela.

― Os pais do Teodoro não tem medo de você andando pela casa deles no Vila Olímpia? ― pergunto, e sei que sou podre nesse momento, mas é o que faz Marcela ficar quieta. Olho para os meus pais que estão prontos para me dar um sermão e digo: ― Tchau, tchau... beijos, amo vocês!

Já estou com a mão na maçaneta e nem ouço direito a resposta enquanto já vou direto para o elevador. A plaquinha “Em manutenção” continua pregada na porta. Bufo e vou descendo de escada. Oito andares. Oito fucking andares!

PIETRO - Os Irmãos Scafidi #6 | EM ANDAMENTOOnde histórias criam vida. Descubra agora