A Ursa e o Lobo

a mãe de todas as coisas

1880 palavras

A névoa pairava baixinha em cima da grama ainda orvalhada. As gotículas respigavam na minha pata descalça. Me aproximei trêmulo. Se um vento forte me batesse com certeza eu cairia, minhas pernas mal conseguiam me sustentar na calmaria, como diria vovó "estou balangando que nem vara verde."
Ela era imponente, seu corpo se esparramava por toda a grama em que de encontrava derramada. Sua respiração fazia toda a vegetação próxima do seu focinho dançar, quando ela puxava o ar a grama ia e quando ela soltava a grama voltava.

Nunca tive tanto medo em toda a minha vida. Eu posso desistir bem aqui e ficar aqui pra sempre, ou quem sabe voltar a casa da bruxa, ela com certeza poderia me ajudar a voltar, ou não... Despertar uma ursa dormindo pode ser a pior coisa do mundo quando você tem a intenção de fazer.

Suspiros e Inspirações não me confortam, o embalar do bandolim de um bardo e uma duzia de palavras perdidas que já não podem mais me nomear. Apenas medo e insegurança sinto. Tenho os punhos cerrados próximos ao peito e o pulsos palpitantes revelando a minha excitação. Devo dar um passo a frente como um lobo valente que sempre me desejei tonar ou recuar como o coelho amedrontado que sempre fui.

Múltiplas alternativas minha mente criava para o evitar o inevitável. Eu posso ficar? Mas se eu ficar tudo que eu conheço e sei se apagará para sempre e eu deixarei de ser um menino e me tornarei um lobo. Eu não sei se é isso que eu quero pra minha vida inteira. Droga eu sou tão inconstante! Por que essa indecisão toda? Não! Eu não estou indeciso, na verdade eu estou decidido! Eu quero voltar e quero ver a vovó, mas o que me faz por esta questão em dúvida é o meu medo de enfrentar a grande Ursa. Eu posso não me lembrar que já chamei Luiz um dia, mas eu me lembro e sei muito bem que não quero esquecer a vovó, não quero esquecer seus abraços, seus beijos, suas história e seus diversos tipos de sorriso. Não quero esquecer a única coisa que eu tenho na vida. Não quero esquecer a minha vida. Preciso dar um passo a frente como dei quando quis entrar no bosque pela primeira vez naquela noite escura, entretanto, agora não é um passo de curiosidade e sim de coragem e valentia. Isto é decisivo e eu não posso ceder aos medos oridundos da minha incerteza.

Rumei para dar um passo a frente, mas fui interrompido quando uma borboleta monarca sobrevoou sobre mim e captaram a atenção dos meus olhos que a seguiram contornar a silhueta invisível de Afer Ventus e colorir os ventos que ele trazia consigo. Com delicada desenvoltura a bailarina dos ares pousou sobre o fucinho da Ursa a Repousar e num movimento surpreendentemente leve se desfez em flores fazendo a matriarca deste mundo despertar com um espirro que me derrubou nas aguas cristalinas do riacho que separava sua toca da floresta.

A grandiosa prumou o corpo pesado para se levantar e em seguida esprigiçou-se bocejando um bafo florido. Seus olhos caíram diretamente sobre a minha figura encharcada. Eu estava bem a sua frente, questão de alguns metros. Ela deu passo que fez tremer não somente a superfície do solo, mas também meu coração oco. Me encarava com um ar de sabedoria e muita vivência. Eu desejava não trocar olhares com ela ou quem sabe abaixar a minha cabeça num sinal de submissão, mas minha curiosidade falava mais alta e tudo que eu queria era a observar a tão majestosa e lendária Ursa. Com certeza eu estava esboçando medo e aflição na minha face, mas com certeza eu também demonstrava curiosidade e admiração.

De onde estava a poderosa mãe das florestas abriu sua boca e rugiu bramindo-me. O seu grito de despertar ecoou por toda a floresta, penetrando a audição de cada vida ali existente. Libélulas por toda a parte, aves das copas surgiram cantarolando e o sol entrou pela clareira iluminando e aquecendo a Imagem da Ursa. Ainda me olhando dirigiu-me a palavra: — Há quanto tempo não via um menino... —, sua voz era suave e familiar. — Que queres de mim? —, como se estivesse sendo gentilmente dedilhada numa arpa.