A Ursa e o Lobo

uma quase possível cena de ação

Perco-me em enrustidas imaginações. Como se eu fosse um adulto. Uma noite calada que embalada pelo jazz me levava para longe de mim mesmo e em flutuos pelas veredas da vida eu caminhava em busca do que por direito era meu: Meu nome. E como poderá ser meu nome? Eu sei que tenho um nome. Qual será meu nome? Talvez comece com O ou talvez termine com O. Grande parte dos meninos tem seus nomes terminados pela letra O. Veja só: Otávio, Gustavo, Bruno, Ronaldo, Ricardo, Aurélio, Marco e Enzo. Talvez seja com E, mas pode ser que seja que termine com A. Talvez meu nome não seja muito agradável, quem sabe minha mãe fosse uma louca e na sua loucura colocou meu nome de alguma estranha como: Paralelepípedo. Eu sempre achei paralelepípedos estranhos, não são tão perfeitos como cubos, e não tão imperfeitos como triângulos, são o meio termo e o meio termo sempre me assustou de uma forma esmagadora. Mas, minha mãe teria coragem de me colocar este nome? Bom... Talvez se ela fosse uma arquiteta ou matemática, sim, ela poderia, no entanto, eu devo confessar minha preferência por Círculos, talvez eu gostasse de me chamar circulo. Circulo me lembra circo. Me lembro quando fui ao circo pela primeira vez, mas as lembranças estão tão apagadas. Eu me lembro das cores e do céu estrelado em tons de festival, a musica, boemia e os temidos palhaços, gemidos de festa, mas não lembro dos rostos, assim como não lembro dos nomes. Será que eu ja tive uma mãe? Ela era um lobo como eu? Lobos podem ir ao circo? As pessoas teriam medo de mim. Mesmo que eu seja ainda um lobinho filhote, mas toda vez que eu olho meu reflexo neste mesmo rio eu sinto que as pessoas não iriam me querer por perto, afinal, pessoas não gostam muito das coisas que não podem domar. Céus! Por que é tão difícil atravessar a ponte? Por que é tao difícil deixar o bosque? Eu não tenho coragem e o rio corre lascivo para o mar. O medo irompe as feridas de um futuro já esquecido e não: dias melhores não virão, pois meus melhores dias ja vivo. Onde estou se não na confusão entre deus e ciência? Sete vezes me disseram, mas apenas seis acatei e agora me pergunto: Por que não atravessa logo esta ponte? Por que não deixas o bosque dançar nu com o passado? Suplico oh lua que ilumina azul a minha pele! Suplico pra que exorcise meus demônios e me proteja dos fantasmas que existem fora dos limites do bosque que me minha parte se tornou e diga-me enfim quem sou!

Uma chuva de estrelas cadentes caiu sobre minha cabeça e o céu se tornou colorido de arco-íris escuros que foscos dissiparam as minhas feras internas e no fundo do meu coração uma pontada dolorida fez da minha boca flores de todas as cores brotar. Amores e dores já não mais existem e de novo levanto minha voz ao esplendor dos céus e clamo em brado infindo: - Qual é o meu nome?

A lua do céu para mim sorriu e uma poesia em aveludada voz recitou:

Além do horizonte
Além das luzes de natal
E dos vastos campos de incertezas
De vozes perdidas no aqueronte
Muito além dos traços em óleo na tela velha pendurada ao varal
E bem além do rio que a ponte precede
O prelúdio da vida
em interlúdios, infortunios, delírios
O Prólogo é teu nome
Deixe-me tua pele tocar
E segredos em alta voz cantar
Faremos juntos uma serenata para Antares e depois te entoarei a canção de ninar e pelo céus voareis
E por fim em nula sonata
Teu nome encontrarás e numa caixa adornada de rubis guardarás para que sim de nome de novo jamais esquecereis.
Não tema a inconstante onda da ponte, use teus pés e vivereis.

Dos sorrisos mais belos o do lua com toda certeza e sem sombra de dúvidas era o campeão. Mesmo que a constelação de Virgem me encantasse ainda sim ludibriado pelos versos rimados da lua estaria e pelo cantar refinado de seus lábios ainda seria dominado. "Vamos! Vamos lobo sem nome, raça e filo! Faça o que deves fazer!" Dizia uma voz que parecia sair de algum lugar da minha mente, recente e inconsequente. Dei um fuga o primeiro passo, dei em labuta o segundo passo e por permuta o terceiro passo, mas no quarto passo de mim o medo se foi e o derramamento de coragem sobre mim da lua caiu. Pentecoste de luz. Estou iluminado pela graça da luz e pela luz do luar pronto estou para entender. Me sinto como se eu fosse o bosque e que finalmente estou em casa, mas parece que há um pedaço em mim que está longe e quem poderá ser este pedaço de pecado se não meu nome?