Luzes que brotam como flores do solo
De madrugada as estrelas parecem mais próximas de nós... Elas estão ou é impressão minha? Preciso procurar isso em algum livro, mas não há livros aqui.
— E deveria haver? — Refutou Yuka.
Suponha que ele tem a minha idade, mas jurou ser um ano mais velho, no entanto eu acho que temos a mesmíssima idade.
— Nossa... —, dei um sorriso saudoso abanando o rabinho. — Eu me lembro de ter lido livros em algum momento. Agora questiono se as palavras escritas realmente existiram... —, nébula prestigia-me com o esquecimento. As palavrinhas estão sumindo, subindo, exaurindo... e logo, como naquela outra tarde, escapam-me das mãos como a areia do deserto.
— Eu acho que vou caçar alguma coisa. E você? Vai ficar aí, é? —, falou com aquela voz como de quem desafia.
— Eu acho que eu vou continuar olhando pra estrelas. —, respondi.
"Eu estou me perdendo dentro de mim mesmo, como se fosse possível", falou uma voz dentro fa minha cabeça. Engraçado. Aquela voz parecia desconhecida, mas também parecia familiar. Eu consigo me lembrar dos resquícios dessa entonação e desse jeitinho de falar.
Ali dormi. Rodeado pelos mosquitos e correndo risco de contrair carrapatos do mato. Acordei somente quando o sol já estava queimando na minha cara. Eu estava babando. Instintivamente eu lambi a minha própria baba. Pode até parecer nojento demais pra vocês, mas eu confesso que ela era até saborosa. Eu devia estar com um bafo de cão. Espreguicei meu corpo peludo me esticando pra trás e empinando a bunda e pra frente estufando meu peito. Pude ouvir meus nervos estralando. Isso me dava relias mil.
— Você ainda está aí? — Yuka se aproximou me lambendo. — Estavam todos te procurando. —, disse antipático.
— Me procurando, — gelei totalmente, — e é por causa de quê, hein? — Perguntei fingindo serenidade.
— Eu sei lá. — Irreverente respondeu.
Aposto que ele estava querendo me pregar uma peça. Yuka era mentiroso e gostava de fazer gracinha.
— Certo. Irei me apresentar como um bravo soldado, — disse tentando parecer um lobo responsável.
— Espera aí! Eu vou com você. Quero saber...
Fomos em cambalhotas e risadas até o acampamento da alcateia. O cheiro de lobo estava pairando tão forte por todo local.
— Então vai lá. —, Yuka disse me empurrando com suas patinhas.
— Vai lá você, — empurrei ele de volta. — Fala pra ele que eu cheguei, né?! — Eu estava muito apreensivo, afinal podia ser algo muito sério. Eu estava pensando em algo errado que talvez eu tivesse feito.
Fiz uma pequena retrospectiva na minha cabeça da última vez que o vi até antes de dormir. Tudo parecia tão certo. Será que eu sou sonâmbulo? Talvez eu tivesse feito algo enquanto estivesse dormindo. Oras, se eu fiz eu não posso me responsabilizar. Ninguém pode culpar um lobo sonâmbulo. Ficamos parados olhando pra cara um do outro, até que ouvi o líder dos lobos me chamando para entrar dentro da árvore oca que ele morava. Era um cascalho e tanto, bem grosso. Meu coração quase saía pela boca, mas eu não podia me comportar como um medroso.
Entrei com a cabeça erguida tentando parecer um lobo valente. Ele me olhou com aqueles olhos de pai e me disse: — A bruxa que vive para além do bosque está a sua procura e ela já sabe que se esconde entre nós, os rebeldes Lobos-guará. Em sua obstinação, em busca de encontrar-te, ela nos atacou na noite passada enquanto estávamos no campo caçando por renas e agora pretende atacar nosso esconderijo secreto.
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A Ursa e o Lobo
FantasíaLuiz está constantemente obstinado a se perder nas suas fantasias. Ele sonha com fábulas antigas e devaneia sobre contos clássicos. Todas as Imagens ao seu redor possuem paisagens sonoras e ele gosta de imaginar. O que ele não esperava é que talvez...