— Mas todo o esforço daquela raposa para alcançar o cacho na vinha alta foi vão e depois de muitas tentativas fracassadas, recheadas de frustração fixou seus olhos nas uvas suculentas e disse: — Eu nem queria estas uvas mesmo, visto que verdes estão...
— Mas ela está mentindo! —, interrompi vovó para dar meu palpite.
— Sabes por que mente a raposa desconsolada? —, vovó me perguntou fechando o livro de fábulas, deslizando a mão pela superfície puída da lareira, d'onde se recostara para que não lhe doesse as costas.
— Num sei não, vovó. —, respondi com a voz meio trêmula.
— Porque, apesar de conhecer suas limitações, a raposa orgulhosa não consegue aceitá-las ou admitir que as possuí, ponderando, em seu ponto de vista, óbvio, que é mais fácil esbravejar e culpar alguém ao redor por simplesmente não conseguir. Devemos conhecer nossas limitações e saber que às vezes atravessar a ponte não nos é possível. — Lançou-me aquele olhar dissimulado.
Aquele fundo olhar de vovó fisgou-me fundo as ideias na cabeça. Uma espécie de incômodo começou a brotar em mim. Por que diabos ela estava dizendo aquilo? Como poderia ela saber da minha frustrada tentativa de ir ao bosque? Ás vezes eu podia imaginar que vovó era capaz de pensamentos ler.
— Vovó, mas não devemos desafiar nossos limites e provar que somos capazes de tudo que queremos? A senhora me disse isso outro dia. —, eu ia perguntando e gesticulando as mãos como se estivesse ensinando libras a vovó. A ventania lá fora fazia os lençóis brancos no varal irem de um lado para o outro, pra frente e pra trás, inconstantes, que nem as minhas mãos.
— Tu me fazes perguntas demais. —, ela me respondia, num gesto distraído, apagando o seu charuto no velho cinzeiro de prata sobre o braço da poltrona, que naquele momento ninguém acomodara. Algumas fuligens caiam delicadas sobre tapete, mas vovó não era capaz de vê-las, pois eram minúsculas e sua visão já cansada não lhe permitia, embora se ela pudesse ver ficaria furiosa. — Temos de ir a feira hoje. Quero comprar boas batatas e algumas favas.
Isso me fez nascer um sorriso enorme no rosto! Vovó nunca havia me levado a feira antes, e por usar o verbo "ter" no plural, certamente ela estava dizendo que eu a acompanharia desta vez, visto que não havia mais ninguém que ela pudesse levar. — Eu vou com a senhora? —, perguntei tímido esfregando os pés um contra o outro.
— Sim, uai... —, respondeu desdenhosa.
No mesmo instante comecei a pular pelo sofá, pulei de alegria, pulei tão alto que quase podia tocar o teto e se eu caísse certamente ganharia alguma fratura, mas eu não cairia, afinal, sempre fui bom em fazer bagunça.
Ir a feira significava que pela primeira vez eu passaria pelo bosque, isto é, pela trilha que estava no meio de bosque. A feira fica do outro lado, no centro urbano do arraial em que morávamos e isso me animava muito.
Depois daquela minha tentativa frustrada de ir ao bosque; ou talvez não, pois eu não sabia assimilar perfeitamente se estava sonhando ou não, talvez estivesse em um estado de inconsciência parcial, ou estivesse apenas perdido em minhas obstinações; eu deveria estar convicto de que o bosque não era uma boa ideia, mas minha mente fazia pouco da razão. Essa insistência era toda estranha, mesmo que as histórias que vovó me contava diziam de maneira bem explícita; talvez quase escrachada; que crianças indo ao bosque não era uma boa ideia, eu sempre amei como todas as minhas forças, energias e filosofias a quimera de estar lá bem no meio do bosque. Pode parecer uma loucura imaginativa, mas certa vez cheguei até mesmo a sonhar que estava fazendo um picnic no bosque junto dos meus amiguinhos imaginários. Recorrentemente me pegava fantasiando com isso, minha mente flutuava borbulhando ideias criativas, mirabolantes e fantásticas, por vezes podia até vê-las como se eu realmente estivesse ali e se eu dissesse que o vento soprava em mim eu podia também sentir.
![](https://img.wattpad.com/cover/187987755-288-k731286.jpg)
VOCÊ ESTÁ LENDO
A Ursa e o Lobo
FantasyLuiz está constantemente obstinado a se perder nas suas fantasias. Ele sonha com fábulas antigas e devaneia sobre contos clássicos. Todas as Imagens ao seu redor possuem paisagens sonoras e ele gosta de imaginar. O que ele não esperava é que talvez...