Aquela noite fora um pouco tensa, pois pensamentos involuntários me aterrorizavam cruelmente: queria saber o que havia acontecido com a grande ursa ou se ela jamais existiu; queria saber como vovó poderia de todas estas histórias saber. Sentia também um pouco de medo do galho seco da árvore de ipê rosa que batia na minha janela e também a visão de uma horrenda bruxa correndo atrás de mim numa rua escura me perturbava os sentidos por completo, ainda que os tenha incompletos quando durmo.
Dominava-me uma sensação claustrofóbica, que me sufocando pesava atroz sobre meu peito. Covardemente eu apenas cobria todo o meu corpo pois preferia suportar o calor do que o medo de imaginar por imaginar. Foi já de madrugada que eu consegui ser abraçado lentamente pelo sono e encontrando alento em seu colo pude enfim deixar esse anexo de perturbações mentais desvanecerem em meu subconsciente.
Despertei como se tivessem passado segundos. Dei um salto da cama para o chão e fui até a janela. Um grande tumulto as fazia lá em baixo: os gansos estavam agitados, talvez alguém tenha roubado os ovos deles. Lavei o meu rosto e quando estava prestes a descer a escada Sr. Plínio saiu do quarto de vovó segurando um livro grande em sua mão.
— Que curioso! — Exclamou vindo em minha direção. — Veja bem, meu caso efebo. Revolvia eu aquelas velhas gavetas, quando o encontrei... — Limpou da testa o sour que lhe encrostava a testa peluda. — Estou um pouco nervoso é verdade... — Os olhos tremiam assim como as mãos. Murmurou obumbrado, pigarreando, até que enfim, em meio a soluços falou me o que queria me dizer: — ora, neste livro que encontrei aqui na sua casa existem fotos de raposas vermelhas andando de maneira quadrúpede. Será que é muito antigo? De toda forma acho que este livro ou é falso ou é antiquado... Bem mas preciso antes ver o embasamento científico ou pelo menos teórico usado para que possam alegar tais informações. Por que diz aqui que elas ainda andam assim. —, levou a pata ao queixo como um pensativo refutador.
— O que está fazendo aqui?
Eu estava mesmo muito surpreso com aquela inesperada visita. Puxei o invasor pra dentro de meu quarto trancando a porta.
— Não pode vir aqui em casa! — Empertiguei rubra a face mediante tamanha surpresa.
Fiz um textão, é claro. Ia franco discursando a medida que fechava as cortinas vermelhas da janela. — Por causa que se a vovó te ver aqui vai mandar chamar o grande monstro e ele vai atirar em você. —, tentei cochichar, mas eu não era muito bom não fazendo isso.— Ora bolas... Mas que forma agradável de ser recebido na casa de um amigo. —, manifestou sem pautas o seu descontentamento. — Que nada receptivo! Tão educado quanto uma enguia. Vê lá se eu queria mesmo estar nessa joça aqui... Só poderia aqui morar uma coisinha assim..., — e ia ele com todo aquele desdém provocado, funil invocado, um tanto afetado.
— Como foi que achou a minha casa? —, interpelei-o perguntando preocupado.
— Farejando. —, falou a caricatura sentando sobre a beirada da minha cama.-— O bosque não é assim tãaaao longe da sua casa, na verdade é demasiado próximo. Não entendo como possa ter se perdido...
— Precisa voltar pro bosque. —, eu disse analisando como as coisas andavam lá fora através de uma pequena fresta que abri na cortina. — Acho que tá tranquilo, — concluí. —Vem comigo!
Fiz-lhe um sinal com a cabeça. Claro que não entendeu, ou fingiu não entender. Enxerido que só, procurava alguma coisa, por toda parte, mexia por todos os recantos, mas não havia meios de encontrá-la.
— Não mesmo! Se eu vim até a sua casa quero pelo menos tomar um chá ou alguma coisa do tipo...
Mas eu o ignorei, puxei-o pelo braço e cautelosamente o guiei do corredor até a escadaria, lentamente bisbilhotei pra ver se vovó não estava lá em baixo. Estava tudo muito calmo.
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A Ursa e o Lobo
FantasíaLuiz está constantemente obstinado a se perder nas suas fantasias. Ele sonha com fábulas antigas e devaneia sobre contos clássicos. Todas as Imagens ao seu redor possuem paisagens sonoras e ele gosta de imaginar. O que ele não esperava é que talvez...