uma fábula esquecida entre as páginas perdidas da memória

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Uma poeira fina era impelida no leito dos sulcos pela leve brisa e aqui e acolá escancaravam-se túneis de boca estreita e redonda, abertos pelos roedores. E a medida que o sol brilhava fraquinho, os grãos novos dependurados nas hastes de trigo se tornavam maduros e prontos pra colheita. As pontas destas hastes deixavam de ser tão eretas e inclinavam-se sobre o seu próprio peso. O ar era transparente e o céu cada vez mais pálido, dia a dia mais a terra se descorava. Nas cercas, a estrada era margeada por tapetes de grama enroscada, baixa, seca e os cabeços da macega estavam carregados de fiapos pegajosos, desses que se agarram aos pelos dos cachorros, de alopecuras douradas à espera das patas doa cavalos e de carrapicho pronto a enfurnar-se na lã dos carneiros; a natureza adormecida estava esperando que fosse acordada, mas ia demorar, acabara de ir dormir na valsa crepuscular. Os espinhos, dardos agudos, entregue aos ventos, a espera de algum desavisado, seja um animalzinho ou a bainha de uma calça ou saia,  que tentasse atravessar a cerca. Tudo quieto, tudo inerte. E lá no fundo, entre as vinhas da ira, estava um casebre que já acesa as luzes, iluminava e lumiava a paisagem luzindo pérfida à nossa frente.

— Eu nunca tinha vindo pra esses rumos não, — falei. — Yuka... Você sabe quem que mora naquela casa lá? — Perguntei.

— Aquela lá com a luz acesa por entre a moita de trigo? — Tornou-me-o.

— Vês alguma outra além desta? — Questionei meio brabo.

— Ver eu não vejo, mas que tem, tem. — Respondeu-me flagelado.

— Mas especificamente naquela; você sabe quem mora lá? — Reperguntei.

— Provavelmente uma família de gatos. Afinal lá é aldeia dos gatos rajados, — respondeu. — Eles vivem aqui desde muito tempo. É... —, Balançou a cabeça em positivo pra responder minha boca aberta de surpresa.
— Faz muito tempo mesmo que eles se instalaram aqui e se tornaram agricultores bem sucedidos. Naquele tempo os campos ainda eram abertos, não havia entre eles divisas e nem cercas; somente nas volteadas se apanhava a gadaria xucra. Os veados e as avestruzes corriam por aí sem empecilhos...

— E aí então eles chegaram e destruíram tudo? — Queria eu um enredo dramático.

— Não! — Em plenitude dos fatos respondeu.
— Apenas criaram segregações e sendo assim uma divisa sem emendas, ficaram eles de lá e nós pra cá. E assim, felinos e caninos nunca mais se misturaram.

— Por causa dos gatinhos agricultores? — Perguntei extremamente curioso.

— Que? — Fez parecer como se eu devesse saber disso. Senti-me um desinformado.
— Não por causa disso... Isso foi bem depois.

— Então me conta por quê foi, uai...

— Cê deveria saber disso, rum! — Bufou incomodado.

— Mas eu não sei, uai...

— Tá... — Revirou os olhinhos redondos ao perceber que ia mesmo ter que me contar.
— Num breve resumo, — disse ele, — Houve um tempo em que não tinha nada, nem mesmo o bosque, e aí então veio o Grande Cervo, o deus cervídeo, que tudo cria e o bosque da terra vermelha brotou e florescendo, a vida frutificou. Para cuidar do povo ele definiu a grande Mãe Ursa e a grande Mãe Ursa decidiu que para ordem ser mantida os lobos, as raposas e os cães deveriam ter em suas patas os destinos, a magia e o tempo; e os gatos, os leões e as onças deveriam ter em suas patas as grandezas físicas, a beleza, a Inteligência e a verdade.

— E isso tudo é verdade mesmo?
Eu não sabia mesmo desta parte e também como poderia?

— Claro que sim, — respondeu-me meio ofendido por eu ter duvidado.

A Ursa e o LoboOnde histórias criam vida. Descubra agora