4. Uma Comédia Nada Romântica

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          Aquela entidade literalmente cadavérica avançava em direção a Regina com passos arrastados e lentos, como se estivesse emergindo das profundezas da escuridão. A cada passo que se aproximava, Regina sentia o seu corpo se arrepiar em um medo descomunal. A Morte era tida como o ponto de equilíbrio máximo no livro de Fantasia. Não era um ser maligno nem bondoso. Não havia maldade em suas ações nem justiça em seu propósito. Assim que era convocada, a Morte tinha apenas um serviço: ceifar a vida daquele que não deveria mais fazer parte do mundo dos vivos.

          Ao chegar diante de Regina, a caveira sob o capuz a olhou por uma breve fração de segundos. Em seguida, atravessou o corpo de Regina. Não pelos lados, mas sim através do próprio corpo dela, como se a Morte não tivesse seu corpo materializado. Regina sentiu um súbito arrepio por todo o seu corpo. Uma sensação semelhante de quando se toma sorvete rapidamente e congela o céu da boca, só que dessa vez a sensação era maximizada para todo o corpo, como se uma onda de frio percorresse sua alma.

          Após atravessar Regina, a Morte continuou seu caminho, deixando-a perplexa. "Se a Morte não veio me levar, então quem?", indagou ela em pensamento. Foi então que ela percebeu que a única criatura próxima que estava ferida era o dragão Vilgax. Nesse momento, uma determinação feroz se acendeu dentro dela. Ela não poderia permitir que a Morte o levasse. O dragão, embora fosse considerado um vilão, havia se ferido ao proteger todos. Regina reconhecia que, apesar de suas ações negativas, ele também possuía um lado nobre. Era uma questão de justiça e compaixão, e ela estava determinada a interceder em seu nome.

          Regina, movida por um impulso corajoso, correu em direção à Morte e se colocou diante dela, estendendo os braços abertos numa tentativa desesperada de impedi-la de prosseguir. No entanto, com um simples gesto de sua mão livre, a Morte lançou Regina pelo ar como se estivesse utilizando magia, fazendo com que seu corpo colidisse violentamente com um tronco de madeira antes de cair desamparado no chão da calçada. Embora alguns civis estivessem presentes e testemunhassem a queda da garota, nenhum deles conseguia enxergar a figura sombria da Morte. Portanto, interpretaram o ocorrido como um simples tropeço de Regina, desviando sua atenção novamente para o dragão ferido que necessitava de cuidados.

— Sua hora chegou. De hoje você não escapa — A Morte tornou a repetir, apontando sua foice em direção ao cachorro Dog que estava diante dele.

          O animal, com uma expressão de tristeza, sentou-se e começou a abanar seu rabinho, numa tentativa desesperada de comover a entidade. No entanto, a Morte estava ciente das artimanhas do cachorro e repreendeu-o severamente:

— Não adianta tentar esse truque novamente, fazendo essa cara de cachorro que caiu da mudança. Essa já é a quarta vez! Você já tem 16 anos de idade humana! O conselho mágico do céu não vai mais aceitar desculpas...

          Ainda no chão, Regina observava impotente enquanto a Morte tentava ceifar a vida do adorável cachorro da senhora Bárbara. A senhora, alheia ao perigo iminente, estava ocupada ajudando o dragão ferido e não percebia o que estava acontecendo. A Morte, embora tivesse pronunciado palavras frias e implacáveis, revelava uma estranha ambiguidade em relação ao cachorro. Parecia que o animal tocava um ponto sensível em seu âmago sombrio.

          De forma surpreendente, um clarão fugaz emergiu dos olhos do cachorro. O animal encarou os olhos negros e vazios da Morte com determinação e coragem. Em um movimento ágil e inesperado, o cachorro saltou diretamente em direção à caveira. Atravessando-a por completo, o animal desafiou a própria essência da Morte.

          No momento em que o cachorro atravessou a caveira, as vestes escuras da Morte desvaneceram-se instantaneamente, assim como sua icônica foice. Agora, a Morte estava despojada de suas vestes sombrias e sua figura esquelética encontrava-se completamente exposta. Era como se sua verdadeira forma, um esqueleto desprovido de adereços, tivesse sido revelada.

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