24. O Dia de Los Muertos

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          Durante trezentos e sessenta e quatro dias do ano, os mortos permaneciam no submundo, separados do mundo dos vivos. No entanto, havia um único dia especial no ano, conhecido como o Dia de Los Muertos, em que os mortos recebiam permissão para retornar ao mundo mortal e confraternizarem com seus entes queridos.

          Nesse dia, os mortos podiam assumir várias formas, como fantasmas, múmias, zumbis ou até mesmo aparecer em seus próprios corpos. Embora estivessem presentes fisicamente, havia uma característica marcante que os diferenciava dos vivos: eles não podiam tocar em ninguém ou interagir fisicamente com a matéria de forma tangível.

           Os assassinatos cometidos no período entre o Dia de Los Muertos de um ano para o outro eram resolvidos em até um ano, já que os mortos voltariam à vida nessa data e seriam capazes de revelar seus algozes. Essa permissão do conselho mágico do céu foi concedida para reduzir o número de assassinatos, já que apenas aqueles que não temiam ser descobertos ousavam cometer tais delitos.

          Uma semana se passou desde que Dog morreu. A cidade faroeste de Fantasia estava naquele momento adornada com inspiração no México. Ruas e praças ganharam vida com a presença de homens e mulheres vestidos como calaveras e catrinas, suas fantasias coloridas e elaboradas encantavam os olhos dos moradores e visitantes. Enquanto isso, bardos talentosos da distante ilha de Comodo tocavam habilidosamente o ritmo contagiante do guitarrón mexicano, enquanto usavam sombreiros em suas cabeças. Por todo o ambiente, as flores de marigoldas, com suas pétalas douradas e vibrantes, espalhavam-se em uma profusão de cores, preenchendo o ar com seu perfume doce e reconfortante. No coração da festividade, várias mesas retangulares foram montadas no meio da rua, exibindo uma deliciosa variedade de aperitivos típicos, como os saborosos tamales, envoltos em folhas de milho e recheados com sabores tentadores, o pão dos mortos, com sua forma redonda e decoração em forma de ossos, e as adoráveis calaveras de açúcar, que encantavam a todos com suas decorações minuciosa.

          Independentemente de onde estavam enterrados, os espíritos dos falecidos sempre encontravam o caminho para à cidade faroeste. Por conta disso todas as disputas e rivalidades entre reinos, que normalmente moviam o mundo, eram momentaneamente suspensas. Nesse período especial, turistas de todos os lugares chegavam ansiosos para rever seus entes queridos.

          Enquanto aguardavam o meio-dia para a chegada dos mortos, Regina, trajada em um encantador vestido florido, com detalhes bordados e uma fita vermelha, direcionou seu olhar para o píer que ornamentava a cidade. Com uma coroa de flores de marigoldas em torno de seus cabelos e uma maquiagem de catrina em seu rosto que realçava seus traços, a jovem ficou surpresa ao avistar a presença de sereias na boca do mar as margens do píer.

          Até recentemente, todas temiam ousar sair das Páginas em Branco, aterrorizadas pela perspectiva do Autor e do desconhecido que existia além. Com o fracasso de sua missão de retornar para casa, Regina acreditou que as sereias jamais voltariam a ter coragem de saírem do local e verem novamente a radiante luz do sol. No entanto, a ardente vontade de reencontrar o pai de Iara sobrepujaram o medo, nutrindo uma coragem inaudita que as impulsionou a finalmente deixarem para trás as seguras Páginas em Branco.

— O que houve, Ossudo? — Regina se aproximou do esqueleto que estava sentado cabisbaixo em uma cerca.

          A caveira, envolta em uma fantasia de calavera, ostentava um sombreiro perfeitamente equilibrado sobre sua cabeça desprovida de carne, enquanto trajava um terno preto com uma rosa no bolso. Seus olhos tristonhos encontraram os de Regina.

— Essa é a primeira vez que participo do Dia de Los Muertos. Durante todos os anos fui a Morte e escolhi assistir tudo de longe. Agora que não sou mais a Morte, temo que os mortos guardem rancor de mim. Igual foi na mansão da Feiticeira. Se lembra? Aqueles fantasmas me culparam pela morte deles! E se todos os que morreram também me desprezarem?

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