O confronto

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Aquele garoto surfando naquele lugar, naquele momento, só poderia ser alguém: só poderia ser mesmo o seu maior inimigo. Rapidamente, Sartranas saltou para fora da nave, ao mergulhar num furioso redemoinho, enquanto assistia sua nave desaparecer como uma pedra. Era tudo ou nada. Mergulhou ele também, emergindo em seguida no formato de um gigante de, provavelmente uns cem metros de altura, pois conseguia pisar o fundo do oceano. 

Eis frente a frente: o bem contra o mal. O garoto aparentemente frágil olhou para cima: observou da cintura para cima, o enorme corpo do gigante mal encarado, barbudo, longos cabelos, dois chifres curtos, olhar carregado de ódio, com glóbulos estampados por raízes vermelhas de coágulos. Muito musculoso. Sartranas levantou uma das mãos e desceu com um colossal murro sobre as águas, mas o surfista se desviou numa velocidade de peixe. Mal percebia o Sartranas, mas no horizonte, em todas as direções, formava-se uma faixa branca de ondas que se aproximavam, bem na direção deles: um tsunami! As gigantescas ondas iriam se fechar como um magnífico pára-quedas sobre o epicentro, onde o gigante se tornaria proporcionalmente minúsculo, indefeso como uma rolha na água.  

Quando as ondas se aproximaram, aquilo formou uma espécie de redemoinho, com o corpo de Sartranas bem ao centro, como uma banheira destampada. Bastante assustado, o gigante primeiro começou a sentir-se pequeno, depois aterrorizado, quando percebeu que seus pés estavam sobre areia movediça. E que seria devorado por aquelas gigantescas ondas. Pior ainda: não conseguiu mais se mover ou transformar-se em outra criatura. Sartranas sabia que estava próximo do fim, mas resistiu ao extremo, enquanto afundava e as ondas lhe pareciam cada vez maiores. O garoto surfista girava em todas as direções como uma mariposa em torno de uma luz, flutuando na leveza dos próprios pés sobre as águas. Sartranas berrava com fúria, enquanto os lábios submergiam, depois as narinas que absorviam a última preciosa porção de oxigênio, até que apenas os enormes olhos ficaram de fora, aflitos pela prolongada asfixia. As águas se acalmaram, deixando externa apenas aquela parte da cabeça, como uma ilha viva, com os cabelos espalhados na água e dois, dois olhos extremamente apavorados pelo medo. Medo que ele agora compartilhava com Nick, que se agarrava como um gato aos últimos punhados secos de cabelo e roupas que havia por perto. Mudo como um papagaio empalhado.  

Uma cena muito forte. O menino, enfim, flutuou sobre as águas, depois se transformou num grande albatroz branco com cabeça de menino, voando em círculos até aproximar-se bem perto daquela coisa, daqueles olhos simplesmente enormes. Então disse: 

- Por que, filho de Tellenus? Por que tanta maldade, Sartranas?  

Sem ouvir a resposta da garganta submersa, Deus ficou observando as bolhas explodindo na superfície das águas. Quais e quantas palavras estariam dentro daquelas bolhas? Fora subitamente interrompido das suas divagações, naquele profundo momento, por uma voz aguda e ofegante: 

- Puxa! "Estamos" finalmente livres do imperador das trevas, salve ó senhor Deus poderoso! 

A frase partia de Nick, que se equilibrava sobre a última ponta de chifre do gigante malvado que afundava sob seus frágeis pezinhos de lagartixa. Apavorado com aquela cena, que seria sucedida pelo seu próprio afogamento, tratou de se converter em menos de vinte segundos! Olhos úmidos e suplicantes, ombros caídos, era o próprio ícone do infortúnio. Miúdo, isso contribuía para o seu teatro improvisado que poderia comover o Senhor.  

- Estamos? Como assim "estamos"? A quem estás te referindo, aprendiz opúsculo do mal?  

Deus pensou, refletiu por mais alguns segundos, então se apiedou, como sempre, daquela coisa: 

- Suba, não tenho muito tempo. 

Sem esperar segunda ordem, o esperançoso Nick saltou muito mais alto do que normalmente conseguiria, agarrando-se ao dorso do albatroz com a habilidade de um parasita. Tremia de frio, mas já trazia uma ironia sinistra nos lábios:  

"Não é que consegui ludibriar o próprio Deus, coisa que nem mesmo meu recém-finado mestre jamais conseguiu? Eis-me aqui pilotando o poder sobre o pescoço desse pássaro idiota. Dois paspalhos, isso sim!" 

Muitas paisagens depois, muito acima do melancólico desfile das nuvenzinhas brancas que iam bem lá embaixo, o pássaro simplesmente desapareceu, deixando o carona a despencar e sacudir os bracinhos numa caprichosa velocidade. Foi salvo da queda por um corvo que apanhou aquele corpinho, ainda arrogante, pela cauda: aquele híbrido de lagartixa humana seria um petisco e tanto para seus filhotes! Eis o fim de Nicolas Von Druxus: e também o ponto final num longo e tenebroso parágrafo na história do universo. Livre do último vestígio do coisa-ruim e também de seu protegido, Deus projetou-se numa imensa rajada luminosa rumo às constelações. Tinha mais o que fazer.

AS SETE PRAGASOnde histórias criam vida. Descubra agora