Renascimento
Persena compareceu ao portal com idade biológica de pré-adolescente. Assim que abriu os olhos, lembrou-se do seu trágico passado, de sua mãe verdadeira, das atrocidades sofridas por ela, da sujeira da existência, da falsidade do clero, da omissão divina. Lembrou-se misteriosamente dos urubus em círculos no céu, tristes com a demora da putrefação de sua mãe adotiva. Carregava dentro de si um ódio imensurável por Deus, pelo diabo, por tudo. Arrastava com a alma um pesado fardo. Vingar-se-ia do passado, sem dar importância ao futuro. Embora fisicamente quase mocinha, tinha agora mais de quinhentos anos!
"A contabilidade racional do tempo se torna algo difícil de trazer para as palavras, meu bem! Alguém morto muito velho, depois de recém chegado, pode assumir aqui a figura de uma criança. É bastante natural encontros interessantíssimos no Planeta Celestial: Um bom senhor prefeito do interior, ancião, conservador, cidadão dos anos 40, encontrar-se aqui com um menino que morreu por desintegração acidental no ano 2.700! O tempo é apenas uma engrenagem imaginária criada pela imaginação humana. E o portal é apenas o ponto de encontro de todos os tempos."
Depois de algum tempo entre os infantes angelicais do Planeta Celestial, Persena conseguiu fugir numa missão de emergência com destino ao inferno, infiltrando-se, ninguém sabe como, entre as tampas de uma espaçonave celestial.
Com a mesma habilidade que entrou, fugiu em desatino, numa noite de descanso, sem saber que estava desembarcando no inferno do inferno: Zuênia. Sempre em fuga, sempre à noite, de cerca em cerca, certa vez saltou para dentro de uma espécie de reformatório, escola, algo do gênero, pois era um pátio onde repousavam milhares de meninas do mesmo tamanho que ela, sobre imensos tapetes espalhados no chão. Procurou um espaço e por ali adormeceu, sem saber que a partir daquele dia seria uma hibrinóide nativa.
Alguns dias depois começou a descobrir que aquelas crianças todas eram diferentes, meio dementes, riam do nada, pareciam bebês crescidos. Mas recebiam um tratamento extremamente saudável dos guardiões daquele local. Eram bem cuidadas e belas. Separavam-se meninos e meninas por infinitas cercas eletrificadas, assim como numa fazenda de gado. O tempo passou e as meninas foram se tornando pequenas moças perfeitas e os rapazes esbeltos e fortes.
Então Persena passou a desconfiar: por que estariam ali, reclusos? Porque estavam sendo recolhidos em grandes grupos? Para onde os estariam levando? Eram conduzidos para veículos diferentes, cada qual saindo em direção oposta. Cismada, ela então observou que tinham preferência pelas mais bonitas, selecionadas a dedo. Com medo, Persena passou a fingir-se feia e doente. Queimava as pontas do cabelo e grudava barro para ficarem grudentos e desprezíveis. Sujava os dentes com migalhas de folhas pretas, lambuzava as pálpebras com os dedos sujos de carvão, evitava encarar aqueles sequestradores para que não percebessem a imensa beleza daqueles olhos grandes e verdes em contraste com sua pele da cor da pele das mulheres indianas. Funcionava tão bem que os guardiões a evitavam quase com repugnância.
Numa ocasião noturna, com os guardas sonolentos e preguiçosos, Persena fugiu e saiu em peregrinação por dois longos anos, sobrevivendo de caça e de esmolas, até que um dia reconheceu a chegada de um dos veículos de transporte dos hibrinóides. Seguiu os fatos de perto para certificar-se do que ocorria com aquelas crianças e moças. E foi quando a capturaram, misturando Persena com as milhares de vítimas daquele holocausto mirim.
Desgraça em vida, tragédia depois da vida! Mereceria tamanho castigo? O quê Deus tinha contra ela? E o pior: não havia como matar-se, pois já estava do outro lado. Persena compartilhou e presenciou todo o sofrimento daqueles jovens, por muitos meses, até o dia do resgate, quando fora salva pelas mãos asfixiantes de um homem grande e decidido que a puxou do sono para dentro de uma estranha nave, sem saber quem era ele nem para onde estaria partindo.
Missionária
Ainda juvenil, Persena foi encaminhada para o Planeta Celestial, onde passou a trabalhar como agente secreta entre mundos e sociedades planetárias e a viajar pelo universo em missões de paz, mas grande parte de seu tempo era dedicado ao monitoramento dos terráqueos perversos. Mais de um século se passou, até tornar-se aquela formosura feminina, que jamais esqueceu nem por uma única hora, seu desejo secreto de vingança, no dia em que pusesse as mãos naquele amaldiçoado bispo e toda aquela gente que assassinou sua mãe.
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AS SETE PRAGAS
FantasyA saga se Inicia no Brasil e termina nos confins do Universo. Após a perda do seu império, num golpe sangrento aplicado pelo seu próprio filho no planeta Inferno, expulso de seu habitat, o diabo pediu clemência ao Deus criador e recebeu a seguinte...