Capítulo 4

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Taehyung

O pássaro deixa um crivo escalar a garganta e rebater nas paredes, bate as asas em minha direção para enviar uma lufada de ar em repreensão. Protejo meu rosto com os braços quando a poeira deixa o chão, se erguendo como tempestade de areia no deserto e pousando em meus olhos.

- Okay, isso foi meio desnecessário - reclamo. - Aceitaria de bom grande qualquer xingamento, mas poeira nos olhos é tortura.

Um calor momentâneo, como o reconfortante crepitar de uma fogueira, me aquece. Só então noto o quão fria a noite está. Arrepios e calafrios escalam meus braços quando os abaixo, após esfregar bem os olhos, ainda piscando para tirar o que resta dos grãos miúdos de poeira cinzenta embaçando minha vista.

- Dá próxima vez pense nisso antes de me irritar. Estou cansado de ser sempre compassivo quando o assunto é te repreender. - A voz arrastada anuncia sua volta ao normal. - Até mesmo meus xingamentos perderam valia, aparentemente.

- Acho que muita coisa perdeu a valia nos últimos tempos - sorrio sem mostrar os dentes.

Apesar do desespero, estar com Yoongi me tranquiliza. Desde de que deixei o que sempre chamei de lar, ele era o que tinha de mais próximo de uma família.

- Eu, por exemplo - continuo -, aparentemente perdi a minha nas últimas semanas.

- Taehyung...

- O que aconteceu? - o interrompo. - Sei que o hyung escuta conversas. Está mais próximo deles, ouviu algo?

Considero Yoongi minha família. Talvez por isso me sinta tão incomodado, no fim das contas, por ele não ter dito nada. Mesmo ele sendo tão próximo de camadas altas da hierarquia de Regs para ouvir os sussurros, se eu não tivesse me esgueirado pelos corredores quietos durante a madrugada não saberia que estavam planejando me descartar. Ele sabe bem o que acontece com os que se tornam dispensáveis para Regs juntamente àqueles que, por eles, foram responsabilizados.

Minha esperança é que tenham evitado comentários quando estivesse por perto, afinal, Yoongi não hesitaria em me alertar. Não quero acreditar em uma segunda possibilidade.

O silêncio nos abraça por longos segundos. O vento frio parece rodopiar, preso naquela fração de solo escondido dos olhos que continuam sua vida pelas ruas movimentadas, sopra algumas penas castanho-avermelhadas espalhadas pelo chão. Meus olhos, agora recuperados, não desviam dos seus, mas Yoongi suspira antes de me encarar. Seu olhar preguiçoso se estreita, e quase posso entender o tamanho cuidado que toma para finalmente dizer:

- Ouvi.

Quase entendo porque, em seu lugar, também tomaria o máximo de cuidado para admitir o mesmo. Não entendo totalmente porque nunca o trairia dessa maneira.

- Não me disse nada - Aquela segunda opção sussurra em minha mente.

Mordo os lábios na tentativa de afastá-la, mas creio que seja tarde demais. Posso modificar a forma da matéria, mas não posso relativar a verdade. Se pudesse, tudo seria mais fácil.

- Não disse.

- Por quê? - Desvio meus olhos pela primeira vez e ele parece reparar. Mas não os ergo outra vez, não quero que lágrimas se acumulem incontroláveis logo agora.

- Me ofereceram uma proposta.

Assenti em entendimento antes mesmo que ele pudesse dizer algo a mais.

- Se te entregar, me perdoarão - ele continua. - Acreditam que não seja capaz de me envolver tanto com um aprendiz a ponto de, em algum momento após sua eliminação, ceder ao desejo de me vingar de alguma forma. Mas para garantir, é melhor eu mesmo levá-lo.

Icarus - Asas De Cera | TaekookMin (FINALIZADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora