Extra II

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Yoongi

- Qual sua escolha, Yoongi?

Meu nome em sua doce voz...

Ouso dizer que o silêncio que se seguiu foi proposital. Uma tentativa falha de ouví-lo arrastar de seus lábios mais uma vez. Falha porque o que implodiu foi um soluço baixo que  me fez piscar algumas vezes para retomar a realidade.

Era normal. Me perder em seus clamores. Tão doce...

- Abandone isso. Deixe essa sua necessidade de poder para trás, deixa para trás o grande Sicário que tanto temem. Venha comigo... Me ajude! - O último saiu como um grito, chamou alguns outro olhares mais além ao corredor.

Primeiro sorri para meus próprios pés, depois para ele, encarando meu reflexo nos olhos castanhos tampados por uma camada espeça de lágrimas contidas.

Sempre amei como seu olhar embargado me refletiu com tanta fidelidade. Quando sua voz rouca chamava meu nome.

Me aproximei devagar, e Hoseok se encolheu. Afastou seu corpo na mesma velocidade em que me aproximava, mas as paredes barraram seus passos e pude alcançar um de seus fios de cabelos, brincando com ele entre os dedos quando me debrucei sobre seu corpo para alcançar um de seus ouvidos.

- Hoseok... Tsc-tsc...

Suas mãos se espalharam sobre meu peito, me empurrando para trás, mas resisti.

- Não dificulte as coisas. - Fui gentil. - Faremos isso juntos, e então teremos tudo.

- Teremos tudo o que você quer. - Teve a audácia de me corrigir. - Estou cansado disso.

Franzi as sobrancelhas. O que está acontecendo?

- Cansado?

- Farto de me manter na linha de deus caprichos. Farto de te servir. - Funga. - Se você me ama... Não deveria ter que me envenenar com suas lágrimas malditas todas as vezes em que estamos entre lençóis. - Sua força supera a minha, e sou lançado para trás de forma a retomar os olhares curiosos de antes. - Não vai largar mesmo esse desejo sem fundamentos, não é? Nem mesmo por mim.

- Quem você pensa que é?! - Explodi em um grito. - Por acaso, não foi você um soldado da terceira guerra que viu todo seu exército ser aniquilado por armas nucleares, foi? Não foi você quem viu seus companheiros perderem a vida, um por um, enquanto não conseguia atravessar para a morte, por mais que preferisse estar morto a sentir tamanha dor e agonia. Não!

Os olhos atentos se aproximaram. Mas não via nada além de meu reflexo neles também.

- Creio que não foi você que passou quatro dias e cinco noites no deserto, jogado e ferido, até que conseguisse se levantar outra vez. Não foi você quem caminhou sozinho até seu batalhão para avisar aos seus superiores sobre a emboscada que o esperava junto aos seus companheiros. E não foi você quem foi levado aos fundos da cabana velha para receber um tiro na testa como agradecimento! Não foi você o taxado de aberração por não ter morrido, mas sim exposto a radioatividade o suficiente para se tornar um monstro!  - Não me importei com a saliva que espirrava em seu rosto aos meus berros. - Não foi você um dos primeiros incomuns. 

Hoseok suspirou outra vez, mas havia seu riso em conjunto.

- Quer que eles saibam o que você é? Há tanta vantagem nisso? - Seus lábios rasparam os meus, próximos demais.

- Você é só um menino que não sabe o que é certo. - Disse entre dentes, os esfregando em sua boca.

- E você... - Seu tom de voz aumentou significativamente. E de repente seus olhos não estavam mais em mim, mas em todos à nossa volta. - É um velho ridículo que ainda tem esperanças de tomar as rédeas de algo tão poderoso quanto Regs! Seu tolo... Sinto pena! Não passa de um Mercenário Traidor!

Foi meu limite. Hoseok não sabia com quem lidava na época, quase fui gentil para tentar explicar, mas sempre achei demonstrações mais promissoras.

- E espero que te matem antes de me ver falhar, se eu falhar. Porque não estou ao seu lado desta vez. 

Meus olhos se tornaram chamas antes que mais alguém pudesse dizer algo, ou algum suspiro surpreso pudesse ser ouvido. Tomei seu punho entre os dedos e o arrastei para fora do prédio sem rodeios.

Na rua, quando os olhares dos transeuntes nos alcançaram, também vieram a nosso encontro meus corvos, que alçaram voo em torno de nós dois para criar meu filtro e certificar de que tudo o que haviam visto há pouco, e estavam prestes a ver, permanecesse em segredo, até mesmo para suas lembranças.

Minhas veias borbulharam e meu sangue se incendiou. A dor dilacerante de meus ossos se transmutando e as penas nascendo por meus poros. Minhas garra, no fim, o agarraram pelos punhos e o ergueram para onde, um dia, foi sua casa, mas na época não passava de cinzas.

Quando seus joelhos tocaram o chão, e seus olhos finalmente transbordaram - não sei dizer se por medo de mim ou por luto. Foi quando me aproveitei para agarrar seu rosto em meu aperto e olhar fundo em seus olhos, buscando minha imagem.

- Meu reflexo em você, eu nunca vi igual. - Sussurrei, acarinhando sem cuidado sua bochecha. Seus lábios puxavam para baixo, e isso me desesperava por algum motivo. - Amo isso, Hoseok. Não consegue entender? Só terei o que quero se estiver ao meu lado, amor. Por favor, colabore comigo e diga o nome para que possamos voltar a ser felizes. 

Abri meus braços, sinalizando para tudo à nossa volta sem dizer nada, mas esperando que a imagem fosse o suficiente para deixar bem claro o que o aguardava se estivesse contra mim.

Os últimos dias vinham sendo difíceis. O sentia cada vez mais distante, dia após dia em que se enfurnava mais a fundo na organização.

- Sua felicidade não me convém, Sicário. - O título me foi repudiado pela primeira vez em seu tom de voz áspero. Senti meu estômago revirar usando suas mãos também alcançaram meu rosto. - É mesmo uma pena saber que é somente seu reflexo o que te agrada em mim. Tinha esperanças de que fosse algo a mais, mas é bom entender a verdade. Afinal, não preciso mais me preocupar com manter acesas falsas expectativas. - Fungou. - Você é só mais um velho ranzinza. Só mais um velho ranzinza e sozinho. E eu sinto muito por você.

Uma fisgada em meu peito. O temor anormal em minhas pernas. A traição de meu mais belo reflexo.

- Você...

- Não o invejo, Yoongi. Deus te deu uma história triste, sinto muito por tudo o que aconteceu e ainda acontece em sua eternidade. Mas não acho que seja inteligente achar que só porque tem um par de asas de cera, significa que pode alcançar o topo. - Seus olhos transbordavam, o rosto se desfigurava pela dor de ir contra minha vontade, mas mesmo assim ele persistia. - Pode ter anos de vida, mas não sabe da metade do que acontece embaixo do teto de onde considera seu lar. Você não é nada dentro daquela fortaleza, Yoongi.

Umedeço os lábios para morde-los.

- Você não sabe o que diz. - Sussurro.

- É a verdade!

- A verdade é que você está morto. - Meu reflexo me encara, trêmulo e amedrontado. - E ninguém pode contradize-la.

- Não tem coragem de fazer isso.

Meu peito se aperta.

- Não me conhece, Jung Hoseok. Somente viu o que deixei enxergar. - Mais lágrimas escorrem por seu rosto, e seu medo faz meu coração disparar. O poder infla meu peito. - Sou Yoongi, o Sicário Âmbar.

- Está errado. - Me desafia pela última vez, e estou mais próximo que nunca quando o deixo o último beijo na testa. - É Ícaro. E terá o mesmo fim.

Foram suas últimas palavras para mim. 

A partir daquele momento, a morte de Jung Hoseok - O híbrido bem sucedido - restava ser relatada à organização. E esperava, honestamente, que tivesse uma boa vida longe de tudo isso. 

Icarus - Asas De Cera | TaekookMin (FINALIZADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora