Amherst, Massachusetts. 1858.
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Entre chuva de verão e vapor de inverno, assim se faz a aurora, com o orvalho embaçando a minha janela numa manhã de clima denso. O alarme em forma do canto dos pássaros invadem os meus aposentos, agraciando os meus ouvidos. Depois de tanto tempo mau humorada, eu finalmente estava me sentindo bem. Sabia que o Freddie estava de partida, e que certamente pararia para se despedir daqueles que tanto o acolheram, no caso, a minha família. Mas pela primeira vez na semana, eu não estava totalmente preocupada com isso, como se a dor da perda não fizesse mais tanto sentido. Ele não iria morrer, somente se mudar. Ainda poderíamos trocar cartas, manter contato. Não tinha porquê acabar. Só rezava aos santos para que tivessem misericórdia e tocassem no coração do homem que jurou me amar até o fim de sua vida, ao menos como uma amiga, para que não me abandonasse.
No momento em que abro os olhos, sinto uma abrupta vontade de correr para os braços de Sue. Minha Sue. Sentia mais saudade do que nunca. Saudade do seu cheiro, suas carícias tão suaves e sua voz aveludada que costumava falar ao pé do meu ouvido, num mandato oculto para que eu me arrepiasse. Nunca a negava. Saudade de seus dedos apertando a carne da minha cintura, ao me puxar e trazer para perto. Saudade de sua indelicadeza ao me beijar, como quem tem fome, fome de amor. Saudade da velha Sue. Saudade da nossa velha infância. Repleta de riscos prontos para serem corridos e perigos tão atraentes como o mais doce mel. Saudade do nosso "nós". Não posso negar a esperança que me surgiu a partir dessa traição do meu irmão. Pois ele, que sempre prezou pelo bom relacionamento à base de confiança e fidelidade, tinha enterrado às próprias palavras e dignidade, abrindo espaço para que sua esposa fizesse o mesmo, como uma forma de dar o troco. Não que isso fosse do feitio da Sue, mas ambas sabíamos que poderia ser nossa chance de se reaproximar. Não a desperdiçaríamos.
Levanto da cama num salto, pondo a capa sobre minha camisola e indo correndo em direção às escadas. Tinha pressa. Papai e Austin já tinham se mandado, pelo horário. Eu precisava dela. Precisava de nós. Então me certifico de olhar para todos os lados ao chegar na sala de jantar, dando de cara com o banquete de todas as manhãs mas o ignorando. Abro a porta, recebendo a brisa gelada bem no rosto. Abraço meu próprio corpo, pondo o pé para fora e correndo até o outro lado da estreita rua. Suspiro antes de começar a dar batidinhas insistentes na porta. Uma ansiedade enorme se alimenta do meu eu, enquanto o meu coração acelera como na primeira vez. Hattie enfim abre, me atendendo com um sorriso no rosto. Passo direto, subindo em direção ao quarto daquela que eu sabia que ainda repousava. Sua barriga crescia cada vez mais, ficando cada vez mais pesada e difícil de sustentar, por isso, a futura mamãe gastava a maior parte de seu tempo deitada, tricotando ou lendo. E ao chegar no corredor, já posso ouvi-la cantarolar alguma música desconhecida por mim, me fazendo relembrar o quão mais bonita sua voz ficava ao cantar. Empurro a porta, notando seu olhar confuso. Estava largada na cama como eu presumia, vestindo somente a camisola e seu cabelo preso para trás.
一Emily, o que houve? 一pergunta em alerta, enquanto a única coisa que consigo fazer é arreganhar um sorriso e me sentar ao seu lado.
一Senti sua falta.
一Mas nos vimos ontem...
一Sinto sua falta todos os dias, Sue 一digo antes de me aproximar só um pouco mais, a beijando com carinho.
Ela não nega, mesmo surpresa com minha atitude. Levo minhas mãos ao seu pescoço, tocando-o gentil e cuidadosamente. Ela separa nossos lábios com dificuldade.
一O que deu em você? 一pergunta, tentando prender um sorriso.
一Muita saudade desse beijo.
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Com amor, Emily.
Romansa1857. O ano em que Emily Dickinson (Hailee Steinfeld), uma poetisa na qual o mundo nunca viu igual, se encontra em um particular dilema: encontrar um marido ideal para enfim sair da casa de seus pais. É claro que a mesma nunca quis nada disso, óbvi...