Once upon a time, Emily Dickinson

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          Amherst, Massachusetts. 1878.

.....

        Mais alguns anos depois...

        Uma festa rolava em minha casa. Meu pai, Austin, seus companheiros e mais uns tios nossos de Long Island tinham vindo para comemorarem o nascimento do terceiro filho de Sue, Thomas. De longe eu via o meu irmão enchendo a cara de whiskey, rindo alto e brindando a cada dois minutos. Algo animado tocava na vitrola, Lavínia dançava com a vassoura e Sue ajudava Mattie a servir os senhores. Aliás, minha bebê tinha crescido, se tornando uma mulher linda. A franja continuava a mesma, nunca quis se desfazer dela. O rosto tinha seus traços amadurecidos, mas os olhinhos ainda estavam iguais. Andava de um lado para o outro com garrafas de bebida e baldes de gelo, enchendo os copos e taças dos homens presentes. Ned, seu irmãozinho, corria sem parar em meio aos convidados, nem ligando de esbarrar em alguém. Este se parecia com Austin e ainda gostava de usar chapéu.

        Eu estou sentada numa das cadeiras ao lado da porta juntamente com minha mãe, que segura o netinho recém-nascido. Ambas não tínhamos mais disposição para dançar, minhas articulações doíam só em cogitar a possibilidade. Mamãe envelheceu com a idade, suas rugas e marcas de expressão já não eram mais possíveis de ser escondidas. Por mais que ela ainda fosse muito vaidosa, não podia mais lutar contra o tempo, só abraçar as mudanças. Lavínia era a única que não mudava. Possuía a mesma cara, o mesmo senso de humor e o mesmo ânimo para fazer as coisas. Tinha montado uma coleção de gatos e os dividia com Mattie. Nunca mais se relacionou com ninguém. Eu a admirava, pois apesar de tudo, ainda era a Vinnie que adorávamos, já eu, não podia garantir ser a mesma Emily.

        Depois de servir a todos, minha sobrinha caminha em minha direção, caindo sentada na cadeira ao meu lado e bufando.

                     一As solas dos meus pés estão doendo de tanto que eu ando.

                     一Descanse um pouco, não precisa desse esforço.

                     一Sabe como a minha mãe é, daqui a pouco vai começar a reclamar por eu tê-la deixado sozinha servindo o pessoal.

                     一Cada um tem duas mãos, não precisa se matar por isso, fique aqui. Se alguém contestar, diga que foi sua tia quem permitiu.

       A jovem escancara um sorriso, o que também me faz sorrir. Me recosto no encosto da cadeira e relaxo meu corpo, sentindo uma dor surgir. Eu conhecia bem essa dor e a odiava com todas as forças. Era a dor nos rins que eu tinha sentido há tanto tempo atrás, a que me tomava o fôlego e me fazia querer gritar. Mas eu não podia, o som que estrondava dentro da sala era alto demais para que me ouvissem. As gargalhadas escandalosas e as pessoas transitando, só piorava. Queria falar, mas minha voz não saía. Queria chorar, mas as lágrimas pareciam ter secado. Sem saber o que fazer e sem poder me mexer, fecho os olhos, sentindo uma breve tontura que me faz pender para frente, caindo e batendo com a cabeça no chão. Desmaio.

         Acordo sobre minha cama, é dia. O quarto está vazio e ao lado está um vaso com flores coloridas sobre uma mesinha. No meio delas, um cartão escrito "fique bem". Sorrio ao notar que aquilo só podia ser coisa da minha adorável Mattie. Ainda não conseguia me mexer sem sentir uma dor insuportável, como se centenas de pontiagudos afiados entrassem em minha costela e lombar. Queria chorar. Queria xingar ao vento. Queria praguejar o universo por me trazer de volta esse martírio. Queria chamar alguém, mas antes que eu abra a boca, ouço a porta se abrir e Sue entrar. Minha vista pesa e meu corpo treme de tanto frio. A mulher se aproxima apenas para me cobrir melhor, pondo uma compressa gelada sobre minha testa. Seus olhos estavam inchados como quem havia chorado há pouco, queria questioná-la o porquê mas não soaria tão conveniente, sendo assim, continuo calada.

Com amor, Emily.Onde histórias criam vida. Descubra agora