Capítulo 2 — Arte.
A curiosidade de Carlos aumentava quando Fernando terminou a refeição. Observou-o colocar a embalagem da comida de lado, mantendo o papel alumínio em mãos, parecendo-o moldar entre seus dedos. O instrutor preferiu nada dizer, somente esperar para ver o resultado do que ele fazia.
— Parece um cavalo. — Revelou.
— Aqui. — O homem colocou a pequena escultura em suas mãos.
— Bom, seria impertinente se eu voltasse ao nosso assunto anterior? Queria saber mais sobre sua vida, Fernando.
— O principal está aí, bem nas suas mãos.
— Como assim? — Olhou mais uma vez para o cavalo de papel alumínio.
— Eu era um artista plástico. — Abraçou os joelhos. — E é por isso que estou nas ruas.
— Por favor, não seja sarcástico. — Carlos riu baixinho.
— Estou dizendo a verdade. — Suspirou, com o olhar distante. — A minha vida toda me disseram que arte não enchia barriga, eu não os escutei, olha só onde estou.
— O que houve? — Carlos indagou.
— Eu ganhava bem, Carlos. Pode parecer meio presunçoso agora dizer isso, mas acredite ou não, eu era muito requisitado. Vivia cheio de encomendas, todos pareciam se agradar do meu trabalho, mais e mais pessoas me procuravam... — Iniciou, olhando para o outro por alguns segundos. — Minha expectativa era tanta que encomendei materiais importados, fiz uma compra absurdamente alta e me afundei em dívidas, as obras que fiz eram realmente incríveis, as melhores, mas com a crise que entramos, pouquíssimas pessoas me procuravam. E eu também não me dei ao luxo de pedir ajuda. Aí as coisas só foram se agravando, as contas se acumulando...
— E então? — Estimulou a continuação.
— A dívida já estava estratosférica. E hipotequei a minha casa.
— Ah!
— Como já deve imaginar, não consegui pagar o que devia, tudo foi a leilão.
— Mas e seus pais? Seus amigos?
— Eu não vejo os meus pais há décadas, antes mesmo de perder tudo já não os via. E amigos? Quem dera... — Riu, debochado.
— Eu sei que eu não vi suas outras obras, mas um talento como o seu não pode ser desperdiçado, você não pode desistir assim... Já procurou um abrigo?
— Já fui a um albergue, mas estava lotado de mulheres e crianças.
— Fernando, me desculpe por insistir tanto nesse assunto, mas eu preciso mesmo saber, há quanto tempo você está nas ruas?
— Provavelmente uns três, talvez quatro meses. — Respondeu. — Eu me lembro de chegar ao fim do poço em abril, foi aí que tive que entregar a casa.
— Então quatro meses, estamos no começo de agosto, dia cinco.
— Bom, essa é a minha vida glamorosa. — O maltrapilho ergueu os ombros. — Quer fazer mais alguma pergunta? Fique à vontade.
— Sim, mais uma.
— Manda a ver.
— Você não procurou outro emprego quando as coisas se complicaram?
— Eu já tinha um emprego, trabalhava como artista somente nas horas vagas, mas o meu salário não pagava tão bem assim para impedir a continuação da hipoteca.
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Indigente [COMPLETA]
RomanceEm meio à olhares tortos de reprovação vindo dos clientes, apenas um olhar era de compaixão quando um andarilho adentrou uma lanchonete no centro da cidade. Carlos parou de comer ao ver o pobre homem chegando, sentindo seu peito apertar ao vê-lo lar...