O ator - Sanha (parte 1)

74 5 0
                                    

Antes de ler: Essa história se passa em um universo fictício, onde a sociedade é dividida em atores e filmantes. Os filmantes são conectados aos atores, e no decorrer da vida, eles devem encontrar seu ator. Enquanto eles não encontram seu ator, suas câmeras somente funcionam em preto e branco. Somente quando eles apontam sua câmera para o seu ator eles conseguem ter uma visão colorida.

Parte 1

S/n on

Desde o começo eu sabia que eu tinha nascido para ser uma filmante, não que seja muito difícil de perceber isso, já que quando nascemos, recebemos uma marcação no pulso. Uma câmera, para os filmantes, e uma estrela, para os atores. Minha mãe queria que eu tivesse nascido como ator, ela não admite isso até hoje. Por outro lado, eu nunca tive vontade de ser ator, entretanto, às vezes é decepcionante saber que irei passar minha vida toda nos bastidores, já que, você sabe, após assistir um filme, ninguém liga para os diretores nem para a equipe da produção, por mais que, sem nosso trabalho, eles não teriam aquele filme. Mas, os filmantes já estão acostumados a isso. A viver nas sombras.
Todos os filmantes, ao completarem 18 anos, recebem sua câmera. Cada um recebe sua própria câmera, feita especialmente para ele. Nenhum filmante pode trocar de câmera, é proibido, ela é conectada com nossas marcas, pois, quando estamos próximos do nosso ator, a marcação brilha, e quando apontamos nossa câmera para a multidão, o nosso ator fica colorido.
Como você já deve ter imaginado, recebi minha câmera hoje. E naquele exato momento, eu estava sentada em minha cama, olhando perplexa para a máquina que se encontrava em cima das cobertas. Ela devia pesar mais ou menos um quilo, era preta com engrenagens douradas. Estava com medo de encostar nela, era tão impotente, que parecia não ser real. Devagar, passei as pontas dos dedos pela superfície negra, era simplesmente incrível. Coloquei a câmera em meu colo e comecei a analisar cada detalhe, a lente, as belas engrenagens... até que meus olhos se fixaram na lateral da máquina.

Mas o quê…?

Em dourado estava incrustada a letra Y. Fiquei confusa, o que significava aquilo?
Peguei a bolsa em que a câmera veio e analisei. Na lateral esquerda da bolsa estava costurada, também em dourado, a letra S.
Estranho...Y e S. O que significa isso?
Tentei pensar em alguma combinação que poderia resultar em Y e S. Your smile? Não… Yellow selfie? Não…
Não faço a menor ideia do que é isso…
Antes que eu pudesse pensar em mais hipóteses minha mãe entrou em meu quarto gritando:

Dona S/n! O que ainda está fazendo acordada?

Ah, oi mãe… — abri um sorriso amarelo — Estava admirando minha câmera.

A sua câmera não vai te trazer uma boa noite de sono mocinha — ela suspirou e depois sorriu — Eu sei que você está achando um máximo ter a câmera finalmente, mas isso não te priva das outras responsabilidades. Vamos pegar isso — ela pegou a câmera das minhas mãos e colocou em cima da bancada — Você pode admirar a câmera amanhã. Boa noite filha.

Boa noite.

S/n off

Você não sabia muito bem o que fazer com aquela câmera, mas sabia que estava animada.
Esse dia vai ser ótimo, e eu vou encontrar meu ator.
Sendo assim, você sai bem cedo de casa, com a intenção de descobrir quem seria seu ator. E não havia lugar melhor para ir do que à Academia de Artes Cinematográficas.
Junto da bolsa da câmera, vinha uma série de "pistas" para que você conseguisse encontrar seu ator.
Você segura sua  câmera com força, tira o tampão de lente e aponta para a multidão. Haviam vários outros filmantes lá, provavelmente procurando por seu ator.
Conforme a câmera pegava foco, você pôde vislumbrar o mundo totalmente sem cor, preto e branco, nada além disso. Você respira fundo e tenta controlar seu coração, tinha que manter a calma caso quisesse encontrar ele.
Você segue andando pelos estonteantes corredores da Academia, apontando sua câmera para todos os locais possíveis, para cada pessoa que você encontrava.
Você pega o papel e lê novamente o que estava escrito em uma caligrafia bonita: "Ele tem os olhos tão pretos quanto a sua máquina, e o sorriso mais valioso que o ouro incrustado nesta câmera. Seu cheiro é invernal, com um toque de canela. E para que você consiga vê-lo, nas pontas dos pés há de ficar"

Ótimo, isso não ajudou em absolutamente nada. Cheiro invernal? Nas pontas dos pés? — você solta um suspiro desapontado — Esse vai ser um longo dia.

Ator on

20 anos… É, nunca achei que minha vez finalmente chegaria. Percebi durante a noite, quando a minha marca de estrela brilhou intensamente. Não sabia se ficava feliz ou triste. Acabei escolhendo a segunda opção. Só tinha o que lamentar. Lamentar por mim e pela minha filmante. Como eu sabia que era "ela"? Bem, de acordo com as pistas dava- se a entender que era uma garota. Mas, isso não vem ao caso.
Quando minha marca brilhou, eu tentei apagá-la, arrancá-la da minha pele. Mas era impossível e eu sabia disso. Ficava me perguntando por que eu não tinha nascido como um filmante. Eu não tinha cara de ator, eu não fui feito para ficar no centro, eu fui feito para ficar atrás das cortinas, nos bastidores. Mas parece que o destino não quis assim. Então, percebi que o máximo que eu podia fazer era tentar enganar o destino.
Naquele dia de manhã, acordei decidido a não deixar que minha  filmante me encontrasse. Como eu sabia que com certeza ela iria para a Academia de Artes, o que eu fiz? Fui na direção contrária à Academia.
Enquanto andava pelas ruas da cidade, pensamentos dançavam em minha mente. Estaria eu, fazendo a coisa certa? Não era cruel demais da minha parte deixar ela procurando por alguém que nunca iria aparecer? Coloquei as mãos no rosto. Mas é melhor assim, ela merece alguém melhor do que eu.
Mas você sabe que só existe um ator não é? Sei.
Você sabe que ela é sua única filmante, certo? Sei.
Você sabe que você será a decepção da família se você não fizer o seu filme, certo? Sei.
Você sabe que se ela não gravar o filme ela vai passar a enxergar o mundo em preto e branco mesmo sem a câmera, não é?  Se—.

Como?! — falei em voz alta, e todos no parque me olharam de um jeito estranho.

Ah, claro que eu tinha me esquecido. Primeira regra básica ensinada na Academia: O filmante que não encontrar seu ator, perderá totalmente a capacidade de enxergar as cores.
Coloquei as mãos na cabeça. E agora?
Ahhhh, por quê? Por que nada na minha vida é fácil?
Respirei fundo e engoli em seco. O que eu deveria fazer? Eu não queria me encontrar com a minha filmante, eu já até previa a decepção no rosto dela quando ela me visse. Mas eu também não queria que ela visse o mundo todo em preto e branco por minha causa.
Olhei para o meu relógio de pulso. Quase meio-dia. Eu tinha 10 minutos até que a Academia fechasse.
Tinha que correr.

Imagines AstroOnde histórias criam vida. Descubra agora