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Anoitecia, e Lian acelerava o carro pela a pista afim de chegar logo em casa. A angústia se apertava em seu peito, e ele não parava de pensar nas palavras daquela mulher estranha, e de tudo que presenciou o pouco tempo que conviveu com aquele garoto, ele sempre achou que o conhecia, que sabia quem ele era, inclusive tinha consciência de suas fraquezas.

Seu coração acelerou, e o suor deslizou frio pelo seu rosto, por conta do medo que o consumia subitamente. Por fim, quando estava chegando perto, avistou uma fumaça de longe cobrir o céu, e o pânico o atingiu.

Ele parou o carro e desceu às pressas passando como um vulto pelos os bombeiros e avançando em direção a porta que estava em chamas. Dois dos bombeiros o agarraram antes que ele conseguisse passar pelo fogo.

-- Minha mulher e minha filha estão lá dentro - Ele disse desesperado se contorcendo para se soltar.

-- Eu sinto muito, não foi possível resgatá-las - Lamentou um dos bombeiros que o segurava.

Nesse momento, o ar dos pulmões de Lian faltou e ele caiu no chão desmaiando ali mesmo.

Instantes depois, ele acordou, e estava deitado no sofá de sua casa sem entender o que estava acontecendo direito.

Atordoado, ele saiu lá fora com os olhos fechados, com medo de abrir e ver que aquele pesadelo era real, e que a sua mulher e filha não estavam mais vivas.


Mas quando ele abriu os olhos, viu o que havia sobrado e caiu de joelhos diante daquela tragédia, sentindo as suas pernas tremerem e o seu coração parar de bater.


No súbito desespero, ele pegou a arma de sua cintura e a apontou para sua própria cabeça, afim de parar aquela dor de uma vez por todas. Mas ele percebeu que só havia dois corpos ao invés de três.


Kevin era o único sobrevivente, o que fez ele pensar que o garoto poderia ser o responsável pelo incêndio. Então ele abaixou a arma e se empenhou em descobrir onde o garoto estava, ele olhou por toda parte, perguntou para os bombeiros que disse que não havia nenhum garoto por ali.

Lian então pegou o carro, profundamente abalado, e saiu a procura do grande causador de toda aquela tragédia. A raiva crescia dentro de si e estava a ponto de transforma-lo em um ser irracional. Se esquecendo até que o seu adversário era apenas uma criança de oito anos, e era indefeso.

Mas ele também era um garoto indefeso quando o seu pai o espancou quase até a morte.

Talvez no fundo o seu pai tivesse razão.

Ele era igual a ele.

Ele avistou o menino entrando na mata e a sua raiva alcançou níveis extremos.

Ele parou o carro imediatamente e saiu correndo para o atalho onde o garoto havia entrado, e quando o encontrou, viu que ele estava de costas para ele. Sem pensar duas vezes ele apontou o revolver para aquela criança sem se importar com a diferença de idade, a raiva em seu coração era tanta que não dava para ele controlar.

Mas quando a criança se virou, os olhos de Lian se encheram de lágrimas ao ver que o garoto na verdade era ele com oito anos de idade. O susto fez ele afastar dois passos para trás. Ele olhou para o seu reflexo em um lago e viu que ele era o seu pai, e que o papel havia se invertido.

Ele estava prestes a condenar aquele pobre garoto pelo resto da vida, e por isso estava com medo e extremamente confuso.

-- Por favor, não me mate papai - O garoto disse com os olhos encharcados, e a mão de Lian tremeu.

Ele sabia que não poderia matar a si mesmo, mesmo sabendo que o garoto poderia está manipulando a sua mente.


Assustado, ele abaixou a arma e se aproximou do garoto, sentindo as mesmas sensação que transparecia naquele pequeno rosto.

-- Não vou matar você, vou te levar pra casa, vou cuidar de você.... ninguém nunca mais vai te machucar, nem te chamar de fracassado ou inútil...

Naquele instante o garoto voltou a sua forma natural e agarrou o pescoço de Lian. Mas ele conseguiu se soltar e acertar o garoto com uma coronhada.


E assim que ele caiu no chão, Lian o arrastou até o seu carro, o colocou no banco de trás, onde ele sempre costumava ficar. Em seguida arrancou com o carro pela estrada.


Ele dirigiu um tempo até chegar no mesmo lago onde um dia teve a compaixão de salvar aquele garoto. Ele apanhou o mesmo no colo e seguiu com ele até o lago, andou até a parte mais funda, e quando a água chegou em sua cintura, ele mergulhou o garoto, sentindo o mesmo acordar e começar se debater em seus braços. Ele insistiu tentando manter ele embaixo da água por um tempo, enquanto as lágrimas corriam soltas pelos seus olhos e a angústia invadia seu coração.


Ele encarou o menino embaixo da água e viu que ele havia assumido a sua forma quando criança. Mas isso não foi o suficiente para para-lo, ele precisava afundar essas lembranças a todo custo.

Ora o garoto era ele, ora era uma criatura sombria que se alimentava dos seus piores medos. E ele se esforçava para afogar os dois.

-- Ei - Um pescador gritou de longe - Solta o garoto.


Lian ignorou o pescador, e continuou a afogar o garoto que estava perdendo as suas forças.

O pescador não pensou duas vezes e pegou a espingarda em seu barco e atirou em Lian a queima roupa, ceifando a sua vida. Depois disso, o homem pulou imediatamente na água e puxou o corpo do menino para dentro do barco, e tratou logo de reanimá-lo, mas percebeu que seus esforços tinham sido em vão, pois o garoto não demonstrava nenhum sinal de vida.


Ele se sentiu um fracassado, lembrando de quando o seu filho morreu afogado e ele tentou de tudo para salva-lo e não conseguira. A criança tinha apenas três anos.

O pescador estava pronto para atirar o corpo do garoto de volta no mar, quando este abriu os olhos.

Iniciando a partir daí, um novo ciclo.


Fim.

O Garoto do Lago ( Conto)Onde histórias criam vida. Descubra agora