capitulo 1

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     Meu pai me dizia para ter uma vida extraordinária, para aproveitar cada segundo da melhor forma e ser feliz. Infelizmente hoje ele não está mais comigo, faleceu há dois anos e fico pesarosa ao pensar que eu não consigo seguir seu conselho. Por mais que tente, eu realmente termino me sentindo só. Mesmo com a minha mãe e meu marido presentes em minha vida, mesmo com o dinheiro, com as coisas fáceis, em momentos como esse, eu tenho vontade de jogar tudo para o ar, nada parece se encaixar. Digo, eu deveria ficar feliz mesmo quando estou sozinha, certo? Mas não, pelo menos uma vez no dia, eu encosto aqui, na sacada, que há atrás da minha sala. No décimo andar e trago um cigarro, pensando em como é frustrante sentir-se assim.

    Rodolffo cansou de dizer para mim largar o cigarro, mas essa porcaria é meu companheiro desde os 15 anos e sempre pelo mesmo motivo. Pelo vazio, não que ele preencha isso, longe disso, só que eu me sinto comigo mesma junto a ele. E sentir-me assim com qualquer outra pessoa é raridade. Não pensem que meu marido é ruim, nunca, Rodolffo é um anjo em minha vida, ele suporta meus momentos, de felicidade, de crise dos vinte e poucos, de raiva, de nervoso ou de carência. Ele sempre está comigo e amo sua companhia.

      Bem como minha mãe que, a vida inteira foi meu porto seguro, meu maior apoio em todas as situações. Cansei de sair de casa querendo matar um e encontrar-me com ela, para acalmar-me, para fumar, para beber ou simplesmente ter colo. A teoria de ter uma mãe como melhor amiga, é totalmente válida no meu caso. Ela é um poço de ironia, as vezes eu mesma não sei quando ela está sendo seria, irônica ou debochada. O único problema é que ela definitivamente não gosta do Rodolffo. Em meu casamento, foi bem clara, "eu respeito suas decisões, mas odeio esse carinha que tem cara de boy mimado"

    E por último tem Fátima Freire, ela é minha amiga e braço direito aqui na empresa. Nos conhecemos a anos, ela é filha de Eva, eu jurava que Eva e minha mãe tiveram ou tem, quem sabe, um caso, tendo em vista que meus pais eram separados. Elas vivem juntas, fazem muitas coisas juntas, até viajam juntas. Passaram duas semanas em Paris, mês passado. E nisso eu e Fátima nos aproximamos muito.

     Divagando sobre a importância dessas pessoas em minha vida, sequer ouço a porta da minha sala se abrir. Fátima encosta-se do meu lado, a conheço e aquela expressão que carrega é de algo que está errado. Ela é casada com Lourival e são realmente felizes, eles tem uma filha, que não conheço e nunca parei para pensar no porquê de não a conhecer. A única coisa que sei sobre a garota, é que ela tem um problema.

     - Eu já te pedi muitas coisas, Sarah? - ela pergunta, olhando para o movimento da rua.

    - Não. - arqueio a sobrancelha, ela realmente não me pede nada. Nem no serviço, não me lembro de alguma vez que ela tenha pedido aumento, ou férias, ou algo assim. É tudo em seu tempo.

     - tenho algo a te pedir. Acho que é a coisa mais importante que eu poderia pedir a alguém que não é necessariamente o Lourival. - ela suspira pesadamente. Algo realmente está errado.

      - Pode falar, sem enrolação. - não me viro para olha-la, talvez seja melhor assim. - Mas se isso for um pedido de demissão, a resposta é não.

    - Claro que não, né. - sua voz suaviza-se. Bem melhor. - Você sabe que tenho Juliette, né?

    - Juliette é sua cachorra? - pergunto forçando a mente a lembrar-me de quem é que ela está falando.

    - Sarah! É minha filha de 17 anos. - diz com voz repreensiva, com um fundo de deboche. Não aguento e rio e ela também. - Bela amiga você é.

    - A pouco eu estava pensando sobre isso, você nunca me apresentou sua filha, eu sequer sabia o nome dela.

     - Enfim, você não tem uma vaga para ela aqui? Ela tem uma dificuldade de se comunicar e se relacionar, mas ela é genial com números, organização, estrelas, notas, músicas, símbolos...
- Quando Fátima começa a falar viro a olhando e ela sorria enquanto falava. É bonito de se ver.

     - Tem certeza que quer isso? - foi a primeira pergunta que veio a minha mente. - Você nunca entrou em detalhes sobre ela, Fátima. Está disposta a colocá-la dentro de uma empresa desse porte, você acha que ela consegue? Você acredita nisso?  - Não estou subestimando a filha dela, só não quero que ela crie problemas sem necessidade para ambas.

     - Eu pensava assim, pensava que ela nunca conseguiria tais coisas. Mas ontem eu e Lourival brigamos feio, brigamos pra valer. Dá pra acreditar nisso? E ele disse que ela é capaz, que ela está crescendo presa dentro de casa e talvez, se viver outras coisas, ela consiga se desenvolver mais, consiga ganhar outras habilidades. - ela explica, suas mãos esfregavam-se uma nas outras demonstrando seu nervosismo.

     - Ela poderia ficar no almoxarifado? - dou a ideia, ela diz que a garota é boa em organização e definitivamente aquele lugar está horrível. - Bom, não há problemas com comunicação, visto que as pessoas com acesso a ele somos nós.

      - Você é genial, Sarah! - Exalta-se voltando a mesma animação de sempre. - Genial! Ela vai se sair bem, eu sei que vai.

     - Pode trazê-la amanhã, dispenso entrevista. E finalmente vou conhecer sua filha.

     Quando chego em casa encontro um bilhete de Rodolffo dizendo que a mãe não está passando bem e ele foi visitá-la na cidade vizinha. Não me preocupo em ligar, pois sei que ele o fará em algum momento. Estou ansiosa para conhecer Juliette e feliz por ajudar Fátima, vejo em seus olhos como isso é importante para ela e apesar de não ser boa com as pessoas, para aquelas que gosto eu posso mover mundos.

     Pela manhã Rodolffo liga e diz que sua mãe não está nada bem, ele é bem apegado a ela. Eu não disponibilizo a ir até lá, porém, ele insiste que eu permaneça por aqui, por conta da empresa. Demoro a levantar, a parte boa de ser a dona da empresa é não ter hora para entrar, a parte ruim é estar sempre cheia de reuniões, recebo uma mensagem de Fátima me lembrando de uma reunião a meia hora e eu nem tomei café.
   
                              🌙

    - Você se esqueceu, né?  - Vejo Fátima entrar correndo

    - Completamente. - respondo, vendo pelo vão dá porta de reuniões os senhores impacientes.

     A sala está com cerca de dez homens e duas mulheres fora eu e Fátima, todos muito eufóricos, a reunião é difícil e eu fico irritada, a ponto de mandar alguns a merda, mas, respirei e contei até dez inúmeras vezes. Fátima se segura para não rir da minha cara.

     - Antes eu tivesse ficado em casa. - falo assim que último saiu.

    - A vida não é tão fácil, Sarah. Aliás, Juliette está trabalhando já, caso queira conhecê-la.

    Também me esqueci disso. O almoxarifado é o último andar também, tem a minha sala, a de Fátima, a da secretaria e ele no fim do corredor. Normalmente a porta fica aberta, contudo está fechada. Respiro fundo e sigo até lá. Na mesa da frente, a garota não está, eu não sei nada sobre seu problema, então realmente não sei o que esperar. Dou alguns passos incertos ao ouvir um barulho nas prateleiras do fundo.

     - Oi? - falo ao ver uma figurinha de costas, sentada com as pernas cruzadas, arrumando. Ela vira-se, assustada e para minha surpresa a filha da mãe é mais comum do que eu esperava. Os olhos pretos, as bochechas rosadas e muito bonita. - Desculpa te assustar, você deve ser a filha da Fátima.

     - Oi. Sou Juliette freire. - responde. - sou.
  - um silêncio se dá enquanto seus olhos me analisam.

    - Sou Sarah, acho que ela deve ter dito. - falo por fim

    - Disse e pediu para eu agradecer. Obrigada.
- Juliette fala de modo quase mecânico. Isso me incomoda.

    - Então... Se precisar de algo me chama. - dou um meio sorriso, com passos para trás.

    - Ok. - responde e vira-se, sentando novamente, como se eu não estivesse aqui.

   Certo que nunca fui carente de atenção, mas isso é demais até para mim, mas não vou ser indelicada e perguntar a Fátima Como lidar com a filha dela de respostas rápidas.

You captivated me-versão sariette (Finalizada) Onde histórias criam vida. Descubra agora