30. Culpa

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— É tudo culpa sua — dizia a voz de Guilherme, ecoando através da rua deserta. Não havia nenhum outro som ali. Somente sua voz.

Ao redor, uma névoa esbranquiçada passava por mim e tudo o que eu conseguia distinguir eram as silhuetas de alguns carros e prédios próximos.

Um latido estridente soa à minha direita, como se um pobre cão agonizasse de dor, e algo em mim insistia em dizer que tudo era culpa minha.

— Pipoca? — minha voz tenta chamar, mas se perde em meio ao vácuo. De repente percebo que não consigo respirar.

A névoa me consome, me envolvendo e me prendendo em seu interior. Tento encontrar uma saída, me arrastar para alguma luz ou brisa, mas meus sentidos são quase nulos.

Quando penso que os últimos vestígios de ar serão arrancados de meus pulmões, uma rajada violenta de vento surge, levando parte da névoa consigo.

Mesmo sem aquela branquidão em minha frente, a força do vento não me deixa enxergar. Cerro os olhos, na tentava de distinguir algo em meio aquele caos, mas é inútil.

Algo cai no chão atrás de mim. O som faz parecer como se diversas malas fosse arremessadas com desprezo e revolta. O barulho me assusta, me fazendo virar em sua direção imediatamente, mas apenas posso enxergar o vulto distante das malas. As malas de Júlia.

— É tudo culpa sua — repete a voz de Guilherme, mais alto e com mais força. Seu ódio crescendo a medida que o vento sopra mais e mais violentamente.

Pratos se quebram a minha esquerda, fazendo estilhaços voarem por toda parte. O ruído de novos pratos sendo quebrados cresce gradativamente, em todas as direções, e então já não há como escapar. Os pequenos pedaços de porcelana batem violentamente contra mim.

A dor de cada pequeno estilhaçado que me atinge, apesar de passageira, é torturante e repetitiva, a medida que novos fragmentos caem incessantemente.

O desespero e a angústia me fazem encolher sobre o chão, indefesa e incapaz de fugir daquela voz que agora gritava: "É tudo culpa sua!"

Quando tudo parecia que iria se esvair em névoa e estilhaços, um som ecoou distante e foi aumentando progressivamente. A princípio, soava como um murmúrio, evoluindo para um latido, e, por fim, o som de sirenes preenchia toda a rua.

A medida que se tornava cada vez mais estridente e ensurdecedor, a névoa, o vento e a chuva de pratos esmoreciam sua fúria.

Olhei ao meu redor. Haviam pedaços de porcelana em todas as direções, como um enorme tapete de peças que jamais poderão ser coladas novamente.

À frente, as malas de Júlia vão ganhando forma e tamanho, mas não parecem malas, tampouco parecem várias, apenas uma única matéria estendida sobre o chão, imóvel.

Era um corpo. Era meu pai. Era tudo culpa minha.

 Era tudo culpa minha

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