37. Pensamentos fora da caixa

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Desde a hora que saí do quarto de Charlotte até o começo do treino daquela noite, estou pensando em como contar toda essa bagunça que descobri.

Sinceramente, não imaginava que seria tão difícil contar a verdade. Achei que a força da raiva deixaria tudo mais fácil, mas, pensando bem, se eu contasse toda a história com raiva estaria atiçando ainda mais a situação, o que só magoaria titia ainda mais.

Quando chegamos à ONG, eu me vi ainda mais presa àquele dilema. Todos estavam felizes por voltar a treinar, estavam até mesmo conversando e interagindo com Miguel, e por isso eu fraquejei - não posso estragar esse momento, porque sei que ele é importante para todos nós.

- Antes de começarmos o treino, acho melhor conversarmos sobre as músicas e nossas roupas, e organizar tudo - destacou Sofia que, na minha opinião, se saía muito bem para ser nossa líder, apesar de ter se instaurado uma democracia bastante igualitária entre nós. Ninguém mandava, todos davam sugestões e podiam liderar coreografias.

- Eu estive pensando, e se organizarmos nossas apresentações individuais de acordo com o ano de lançamento da música que cada um vai dançar, e formos "avançando no tempo"? - Miguel sugere, falando com tanto entusiasmo que suas palavras parecem certas aos meus ouvidos.

- Avançando no tempo? - Giovana questiona, confusa como sempre é.

- Por exemplo, como eu vou dançar Jailhouse Rock, que é da década de 50, eu poderia ser o primeiro - ele explica, gesticulando com as mãos freneticamente. - E você, como vai dançar Numb, que é a música mais atual do nosso repertório, pode encerrar as apresentações individuais.

- Não está sugerindo isso apenas para ser o primeiro a se apresentar, está? - Francis desconfiou, com desdém, e posso ver o quanto suas palavras abalam a confiança de Miguel e o fazem murchar instantaneamente.

Lembro de quando eu era quem desconfiava de suas atitudes, mesmo que eu não o magoasse da mesma forma, e de certa maneira me sinto culpada ao ver aquilo. Acho que julgamos demais. Tropeçamos no A e acabamos desistindo do resto do alfabeto, por mais que ele seja tão repleto e variado.

Ou talvez Francis só estivesse com ciúmes de AnaLu, o que era bem do seu feitio.

- Não - responde Miguel, simplesmente, como se dizer qualquer outra palavra fosse soar desesperado ou uma tentativa de disfarçar. Seu tom de voz soava mais baixo e ele estava visivelmente menos animado. Mas mesmo diante daquilo, Francis, que estava lá apenas como intrometido, ainda o encarava com olhar acusador. - Eu juro - Miguel reforçou, quase ofendido.

Pensei em defendê-lo ou pelo menos dizer a Francis que parasse de ser tão rude, mas não precisei fazer isso, porque tamanha foi a minha surpresa em ver AnaLu se impondo na situação.

- Não acho que seja isso, mas, se for, não importa, porque a ideia é boa - ela expôs, determinada a encerrar a discussão.

- Você acha? - perguntou Miguel, tentando disfarçar seu entusiasmo, e acho que ele até se saiu bem nisso, mas eu ainda conseguia enxergar o quanto ele se encheu de esperança com aquilo.

- Pode funcionar - ela respondeu, desviando de sua opinião explícita ou talvez tentando não parecer tanto a favor de Miguel, o que era suspeito, pois AnaLu geralmente não se detém em ser grossa, ela é e pronto. - Mas e na apresentação coletiva? O que faremos? - prosseguiu ela, desviando definitivamente o assunto de suas opiniões.

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