35. "Meus dias de verão"

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No fim das contas, Júlia não retornou ou me mandou torpedo algum, o que começa a me deixar preocupada com seu sumiço. Sei que não há nada que eu possa fazer, mas gostaria de ao menos ter a certeza de que ela estava bem.

Minha cabeça borbulhava em um milhão de pensamentos e eu tinha a sensação de que ficar em casa, apenas esperando que algo acontecesse, não iria me ajudar. Por isso, resolvo ir até a ONG naquela manhã ensolarada e quente de quinta-feira, cumprir meu horário e tentar me distrair um pouco.

Aparentemente, nesta manhã seremos apenas Heitor e eu, o que é até bom, porque assim posso falar para ele sobre a declaração que fiz. Declaração essa, aliás, que até agora não recebeu uma resposta.

Confesso, imaginei que se visse Joaquim esta manhã eu pudesse sentir alguma coisa boa. Esperanças, talvez? Mas, assim que cheguei à ONG, tive certeza de que a sua presença lá só pioraria as coisas.

Voltar ali depois de tudo o que aconteceu foi bastante doloroso. Não houve como evitar. Assim que cheguei à entrada, exatamente no local onde minha vida virou de ponta cabeça, as lembranças voltaram com tudo.

Mas mesmo sendo torturante, precisei passar por cima disso e adentrar no prédio, porque mais cedo ou mais tarde eu teria de enfrentar meus fantasmas.

De certa forma, pela primeira vez, foi bom ter a presença das crianças ao meu redor, pois elas não deixaram a tristeza me pegar. Até porque, de tanto correrem e gritarem, eu tinha outras urgências para resolver.

Decidi esperar até que as coisas se acalmassem para poder contar a verdade a Heitor. E então, quando todas as crianças haviam ido embora, resolvi começar a minha confissão.

— Se eu te contar uma coisa, você promete não dizer que é besteira minha? — pergunto, me preparando para contar o que eu havia feito na noite passada, mas antes eu ainda precisava ter certeza de que ele não riria de mim ou agiria com indiferença.

— Eu nunca diria isso — ele responde, emburrado, mas curioso. — Conta, ué.

— Eu me declarei para o Joaquim — despejei, deixando Heitor boquiaberto. Imagino que ele não esperava isso de mim e tudo bem, eu mesma não esperava.

— Como assim? Do nada? — ele indagou, falando rapidamente. Foi aí que me lembrei que não havia lhe dito a história desde o começo.

— É que ontem eu ouvi ele dizer, ou dar a entender, que gostava da Laura e acho que, se ele gostasse de mim, não diria isso — expliquei, tentando não falar muito sobre o assunto. Doía um pouco lembrar da maneira como ele disse aquelas coisas, tão indiferente a mim.

— Mas o que você disse para ele? — Heitor prosseguiu, ainda muito surpreso.

— Eu mandei torpedos e disse que gostava dele, mas que não esperava nada em troca — dei de ombros.

— Espera, eu estou confuso — ele balançou a cabeça, pedindo paciência. — Por que você fez isso se não espera nada em troca? Não era melhor deixar o assunto morrer?

— Talvez, mas... — murmurei, tentando achar uma explicação para justificar o que eu tinha feito, mas acho que não havia. Fiz aquilo mais como uma prova para mim mesma do que para ser sincera com Joaquim. — Acho que eu quis ser corajosa dessa vez — completei, a frase soando quase como uma pergunta. Eu estava respondendo a mim mesma, tentando me convencer de que fizera a coisa certa.

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