31. "- Correu tudo bem."

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"Correu tudo bem", essa foi a melhor frase que eu poderia ter ouvido, e foi com ela que o médico nos recebeu naquela manhã.

Segundo ele, a cirurgia foi um sucesso, eles conseguiram reverter o sangramento e meu pai está reagindo muito bem a tudo.

Um alívio puro e límpido percorre meu corpo com essa notícia, e tudo o que quero é poder ver meu pai.

Eu estava na recepção com os meninos, esperando o horário de visitas começar, quando uma enfermeira baixinha e simpática disse que nós podíamos ir ver titia. Ela não era, necessariamente, uma paciente e, segundo a moça, estava doida por notícias de todos.

Nós cruzamos os corredores e entramos dentro do quarto 205. Encontramos titia em um daquelas alas coletivas de macas padronizadas. As marcas de exaustão pelo seu rosto eram evidentes. Seus cabelos estavam bagunçados e haviam olheiras abaixo de seus olhos.

Ela estava deitada, conversando animadamente com uma senhorinha que já deveria ter por volta de seus 80 anos. Quando nos notou, titia se sentou com um sobressalto, ansiosa.

Nós corremos até ela.

— O que estão fazendo aqui? Não deveriam estar na cafeteria?

Não respondemos, apenas nos inclinamos para abraçá-la. A princípio ela se surpreendeu com o ato, mas não demorou muito para corresponder.

— Não poderíamos ir a cafeteria sem saber como a senhora estava — disse Sofia.

— Então declaramos dia de folga para todos — completou Francis, fazendo titia rir.

— Só vocês mesmo — ela repreende, mas não há raiva em sua voz, ela apenas está feliz em poder nos ver.

Me separo do abraço e enfio a mão no bolso do jeans, segurando o papel com a letra da minha música entre os dedos. É melhor ter essa conversa com titia antes de perder a coragem.

— Tia, eu tenho algo para lhe mostrar — informo, atraindo sua atenção. Ela me fita com seus olhos curiosos, e naquele momento todo e qualquer receio que senti se dissolve em pó.

Lhe estendo o papel velho e amassado, vendo sua interesse aflorar a medida que ela o desdobra. 

— O que é isto? — ela balbuciou, endireitando a postura em uma posição mais ereta. Seus olhos passam rapidamente pela folha amarelada, arregalando-se a medida em que reconhecem a caligrafia.

— É a música da minha mãe — respondi, sorrindo. — Achei dentro de um porta-retratos.

— Isso é a cara dela — ela suspirou, se permitindo sorrir.

Notei que seus olhos marejaram diante de uma recordação tão preciosa da irmã.

E diante da fragilidade de titia, me passou pela cabeça que nada seria mais egoísta do que arrancar aquela música de suas mãos. Ela com certeza a merecia depois de tudo o que sempre fez.

Mas antes mesmo que eu pudesse oferecê-la, ela me estendeu de volta, sorrindo como se acabasse de descobrir todos os segredos do mundo naquele velho papel de carta.

— Tome. É seu.

— A senhora não se importa? — indaguei, surpresa.

Flores, rabiscos e estrelas.Onde histórias criam vida. Descubra agora