14. Can't Take My Eyes Off You

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Música era algo que minha mãe adorava. Ela dava aulas de canto na ONG voluntariamente, e foi assim que conheceu meu pai.

Bem, meu pai, Maria, Charlotte e todos aqueles que fazem parte da minha vida. Então acho que, se não fosse pelo seu dom e amor pela música, nada seria como é hoje.

Desde criança ela gostava de inventar canções, como a que aparece em meus sonhos, mas, por ironia do destino, justo essa não está em seus diários.

Parece ser impossível desvendar a letra da minha canção. Tudo sobre ela é um completo mistério.

Às vezes me sinto frustrada por haver essa espécie de parede entre mim e minha mãe, mas ao menos eu sei sua música preferida e isso torna as coisas um pouco melhores.

Can't Take My Eyes Off You, aquela canção de 1960 que fala sobre como podemos admirar tanto alguém que não conseguimos tirar nossos olhos dessa pessoa.

Não acho que minha mãe a ame somente por achá-la bonita. Talvez meu pai tenha haver com toda essa paixão, e algo me diz que vou descobrir logo, logo.

Eles já tiveram mais dois encontros após aquele primeiro, e no próximo "capítulo" eles irão fazer um piquenique nos jardins da ONG. Minha mãe só fala de uma grande surpresa que está planejando, mas contar mesmo sobre do que se trata, ela não conta, e daí surgem minhas intuições.

E foi devido a tudo isso de romances e memórias afetivas que escolhi essa música para a minha apresentação solo na Copa Ginásio, torcendo para que ela me desse algum incentivo a mais.

Sendo assim, desvio meus pensamentos para o som da canção ecoando pelo ginásio da ONG, me preparando para repetir a coreografia.

Do lado de fora, a noite estava calma e incrivelmente estrelada. Do lado de dentro, eu estava um caos.

Mesmo tendo pedido ajuda à Júlia com alguns passos, eu ainda não estava tendo um bom desempenho. O pior é que não era nada de complexo, sem muitos saltos e currupios, mas havia um loop bem no início do refrão, naquela parte que diz "I love you, baby", que estava me dando dor de cabeça.

Eu não era lá muito corajosa e tinha tanto medo de saltar e cair que acabava caindo antes mesmo de começar, uma informação que nunca diria a papai, é claro, para não alimentar suas neuras.

Já havia tentado três vezes desde que cheguei e nada havia saído. Suspirei fundo, reiniciando a música.

Escutei seu início apenas deslizando pelo ginásio, tentando encontrar concentração. Mamãe chama esse momento em que paramos para sentir uma música de "entrar na própria alma", e eu a entendo perfeitamente quando estou de patins.

No último "I can't take my eyes off you" antes do refrão, é a hora de despertar e tentar outra vez. Deslizo de costas, o que por sinal demorei séculos para aprender, e então vem o refrão, e eu tento de verdade, mas me falta confiança no final do passo. Quando apoio meu pé de volta, é somente o chão que me espera.

Sorte que, com todas as minhas desastrises diárias, cair nem dói tanto quanto antes. Quero dizer, quando você está preparada, a dor não é a mesma. Melhor ainda que não há ninguém para ver.

— Outra vez... — cantarolo para mim mesma, resmungando.

Me levanto e sinto meu pensamento vagar em Charlotte e no que ela dizia nos meus primeiros treinos. Ela garantia, com todo o seu jeito de quem sabe tudo, que, quando eu fosse maior e mais talentosa, iria me lembrar daqueles dias de iniciante e me sentir orgulhosa.

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