22. Jantar à luz das trevas

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Na segunda, quando estávamos na terceira aula, próxima ao recreio, me perdi nas lembranças de momentos que passamos juntas, Júlia e eu, tanto bons quanto ruins.

Ela foi a responsável por me dar um baita de um empurrão na decisão de me declarar para Joaquim, porque, por mais que as meninas me aconselhassem a fazer o mesmo, foi numa conversa com ela que decidi o que já estava praticamente à beira de ser inevitável.

Júlia não teve uma certa pena de mim nesse dia, meio que me atirou a verdade na cara e eu que lidasse com ela. Estávamos conversando por torpedos e nem era sobre mim, pois eu estava em uma ultra-investigação para confirmar se ela gostava mesmo de Francis ou não, depois de ele ter a entregado um bela éclair de chocolate de graça na cafeteria.

Ela negou que estivesse apaixonada, alegando que paixão era uma palavra muito forte para descrever o que sentia, mas que, sim, ela tinha sentimentos por ele.

Aquilo era um tremendo avanço, pois Júlia nunca foi muito de se apaixonar. Seus sentimentos eram quase sempre passageiros, não deixando que ela se apegasse muito a alguém.

Na época eu tinha esperanças de que ela e Francis pudessem dar certo, mas agora isso parece uma realidade bem distante. Não que o fato de estarem separados fosse o único empecilho, mas era a forma como eles se mostraram quase que indiferentes à partida dela que me faz acreditar que o que eles tinham acabou antes mesmo de começar.

Era até mesmo contraditória a maneira como Júlia me incentivava a me declarar para Joaquim, quando ela mesma não entendia o que sentia por Francis.

Ela sempre me dizia que poderia ser tarde demais quando eu finalmente resolvesse me declarar ou que Joaquim poderia estar correspondendo aos meus sentimentos e eu estava atrasando o que quer que poderíamos ter.

E foi por causa de toda essa insistência e de diversas conversas sobre o assunto que decidi me declarar. Júlia ficou radiante e garantiu que nunca me deixaria desistir dessa decisão. Agora ela não está mais aqui comigo, mas, de maneira alguma, eu posso esquecer de seus conselhos.

Com essa lembrança, acabei esboçando um sorriso, distraída. Júlia sempre me fez sorrir, mesmo que de assuntos que me deixassem apreensiva, sem nunca ser insensível. Acho que era isso que eu mais admirava nela.

- Posso saber o motivo da graça, Isadora? - chamou Srtª. Tereza, nossa professora de matemática.

Ela era uma mulher jovem e bonita, mas muito severa e inexpressiva. Agia como um cão de vigilância, prestando atenção nos mínimos detalhes do comportamento de seus alunos. E eu confesso que o jeito dela me assustava um pouco, ainda mais naquele momento, em que todos os olhares estavam voltados para mim.

- Desculpe, professora. Eu me distraí - respondi, me encolhendo na cadeira.

- Se distraía com a matéria, por favor - ela advertiu, secamente.

Resolvi não contestar ou sequer manter o contato visual por muito mais tempo. Me virei quase que de imediato para pegar um lápis em minha mochila - e também para não continuar encarando-a. E, ao abrir o zíper, tive uma enorme surpresa em perceber que havia me esquecido de retirar o diário de dentro da bolsa quando voltei da casa da Júlia no sábado.

Encarei a capa grossa do diário por alguns segundos, como se ele não fosse real.

A escola tinha isso, parecia um mundo alheio ao nosso, onde as pessoas que estão lá são nossos colegas e podemos conversar e tudo o mais, mas, ao sair da escola, eles não eram mais como antes. Não todos, claro, mas uma certa maioria. Assim eram as coisas da "vida real", que na escola pareciam ser estranhas.

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