48. Laços

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Naquela noite eu estava inspirada. Comecei a fazer anotações e planejamentos para, quem sabe, escrever um novo romance. Já faz tempos que não escrevo nada assim, e me sinto enferrujada, mas estou disposta a tentar.

Não tenho muitas ideias, na realidade só anotei o básico. Sei que quero escrever sobre diários, canções e, principalmente, quero transformar o romance de meus pais em realidade outra vez.

Acho que talvez eu devesse pedir autorização a papai antes de tomar qualquer decisão, mas só o farei depois que estiver com tudo organizado. Com sorte, posso parecer mais convincente.

No entanto, minhas novas responsabilidades estão sugando todo o tempo livre que ainda possuía. Nunca imaginei que houvessem tantas exigências para ser um influenciador artísticos, mas, assim que ganhamos o cargo, eu e as meninas assinámos um documento recheado de regras que deveríamos seguir. Coisas como um novo perfil mais organizado, postagens recorrentes, mais interação com os demais usuários e etc.

Confesso que está sendo difícil para mim fingir que tenho facilidade em socializar, mas talvez o pior de tudo seja o anonimato.

Está no nosso nome, escrevemos sobre isso, mas não é tudo o que nós somos, certo? Nós podemos nos assumir, mas não sabemos o que mudaria daí em diante. Bela acha que essa é a nossa marca registrada, é o que nós torna diferentes, e temos que usar isso ao nosso favor.

Parte de mim se pergunta por que estou tão incomodada com isso, já que meses atrás eu daria de tudo para continuar invisível. Mas há também um sentimento estranho, uma vontade de deixar a máscara de lado e permitir que minha própria voz fale por mim.

De qualquer forma, estamos construindo nossas carreiras. É um tanto pressionador arcar com todas essas responsabilidades, mas sabemos que qualquer passo em falso poderia nós fazer perder tudo o que conquistamos, então nos mantemos em foco.

Decido dar uma olhada em meu perfil, e percebo como a quantidade de curtidas cresceu desenfreadamente em meus posts, até mesmo nos mais antigos.

Solto um suspiro preocupado quase sem me dar conta, enquanto esfrego uma mão nervosa pelo rosto. Aquilo não me parecia uma boa novidade para minha insegurança.

Dou uma lida em algumas citações antigas e percebo o quanto mudei de lá para cá. A antiga Isadora escrevia muito sobre suas decepções amorosas, como se somente elas existissem em sua vida. Aquela pobre garota que mal sabia o que era amar, mas que sempre se encarava no papel de vítima.

Os posts variavam entre altos e baixos de dúvidas que rondavam e rondavam. Coisas como "Tente entender, é como se fosse um disco ralado. Repete as mesmas coisas. Não importa quantas vezes você o toque, sempre será a mesma música. E quando chega no risco, o disco trava, e é como se toda a música não fizesse mais sentido, e não importa o esforço, você nunca saberá o que aquela parte arranhada diz, a menos que já tenha escutado. O problema é que eu nunca escutei a versão inteira da minha canção. E sempre que eu penso estar chegando perto de saber, o disco trava e rebobina ao início." ou ainda coisas como "Se só o tempo dirá, meu relógio deve estar sem pilhas, já que travou no mesmo lugar e nunca mais saiu.".

Escrevi esses pensamentos cerca de dois anos atrás, enquanto passava por mais uma de minhas várias sessões de insegurança, todas relacionadas a Joaquim. Lembro de, inclusive, escrever isso me referindo a como ele seguia sempre o mesmo padrão: olhar para mim, sorrir para mim, falar comigo, se esquecer de mim, me ignorar, tudo outra vez.

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