3. Insane

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Talvez fosse incoerente pensar que era uma mensagem direta para mim. Mas ao julgar pelos acontecimentos anteriores, algo naquelas letras entalhadas na madeira maciça me fez associá-los a algo incomum que estava a acontecer em minha cabeça. Uma confusão interna tão intensa que tornou minha sanidade duvidosa, e a realidade um tanto confusa.

Dedos tocaram meu ombro coberto, e por instinto, pus minha mão sobre a área áspera e retorcida, virando-me rapidamente para encarar o sorriso largo que Bella sustentava em seu deslumbrante rosto. Esforcei-me para fazer o mesmo, apesar da pouca vontade de sorrir.

— O que está escondendo, Bunny? — disse ela, reparando que minhas mãos, agora trêmulas, ocultavam algo que talvez fosse seu interesse pessoal.

— Não é nada, eu só estou limpando — consegui dizer mais rápido do que deveria, entregando meu nervosismo no modo em que neguei com a cabeça ligeiramente, e bela avançou com a mão em meu pulso, erguendo-o antes que eu pudesse impedir. Não pude conter a perplexidade ao visualizar a madeira em perfeito estado, brilhante como nunca, sem sinal das letras tortas e mal articuladas. — Eu disse que só estava limpando.

— É claro — mesmo com a confusão eminente, minha amiga concordou com a cabeça, estendendo a mão em minha direção para que eu pudesse me erguer de onde eu estava abaixada, com o objetivo de limpar lugares inalcançáveis.
Assim que levantei-me com seu auxílio, encarei Bella por alguns instantes.

— O que está acontecendo com você, Bel? — questionei, recolhendo os materiais utilizados no processo de limpeza.

— Estou preocupada...

— Com sua mãe?

— Com você, Hailey! — ela quase grita, impondo que aquilo deveria ser óbvio aos meus olhos. Franzi o cenho.

— Eu? mas por quê? Bel, você sabe que minha vida não está pior que a sua, eu estou bem. Não há nada de errado.

— Tem certeza? porque antes você discutia sobre o que eu falava, agora você só ouve, parece que está em outro mundo onde nem eu consigo entrar. O que está rolando com você, Bunny? — ela prolongou a palavra final, enfatizando sua preocupação. Soltei o ar de forma pesada e passei as mãos por meus cabelos, repuxando os fios enquanto andava para longe de Haddid, porém seu corpo logo se dispôs a se mover atrás do meu, como um modo de conseguir respostas.

— Não é nada, Bella, não é nada. Eu só estou cansada, estou fazendo trabalho extra para conseguir mais dinheiro e isso está me sobrecarregando. — senti a mão de minha amiga apertar meu braço de modo que eu não conseguisse dar mais um único passo, me fazendo assim, concentrar minha atenção em seus olhos.

— Tem certeza que é apenas isso? — ela semicerrou as pálpebras, com a pupila se agitando a procura de falhas em minha expressão tranquila.

— Tenho.

E eu fiz com que Bella se conformasse com minha resposta simples e dita com firmeza, pois não tinha como objetivo levar mais problemas para a minha amiga, como se o fato de sua mãe estar em um hospital há um pouco mais de um mês e sem uma das pernas não fosse algo terrível que ela deveria lidar.
Tinha sim algo me perturbando, me perseguindo. E parecia loucura dizer tais coisas em voz alta.

Naquele momento, todos estavam em seu horário de almoço. Aquecendo seus próprios alimentos no microondas que ficava na sala de funcionários, e comendo nos sofás do lugar aconchegante, mas eu não. Ao invés de trazer comida tradicional como a maioria, trouxe frutas. E ao contrário dos outros, eu não participava da conversa paralela no pequeno cômodo, e sim estava encostada em uma das prateleiras, retirando pedaços de uma maçã enquanto passava as páginas do livro que mais me chamou a atenção entre tantos.

Admirando as letras e a textura das páginas, a história me envolvia cada vez mais, e de repente eu estava dentro dos acontecimentos, tão envolvida quanto a mocinha e o mocinho, ambos protagonistas. Era contagiante, e até me fez rir em alguns momentos.

— O-oi...— um sussurro me fez desviar a atenção do livro e erguer o olhar, visualizando um rosto arredondado de pele clara e rosada, deixando evidente o início da infância. O menino que conheci ontem. — M-Meu... Meu nome é... Liam. — a voz juvenil cortada por algum problema em suas cordas vocais, disse de modo tímido. Fechei o livro e abri um sorriso para o garoto.

— Oi, amiguinho! Como você está? sente-se aqui do meu lado, meu nome é Hailey — e o garoto, agora com um sorriso de dentes pequenos, agitou suas pernas curtas e sentou-se no espaço reservado ao meu lado.

— E-eu estou bem — Dessa vez, fui eu quem mostrei meus dentes, agradecida por alguém tão tímido criar coragem para conhecer outra pessoa.

Abri a boca para dizer-lhe algo que iniciasse um diálogo adequado, mas me calei quando a imagem nítida do menino retorceu-se, assustando-me. Fragmentos de sua nitidez agitaram-se mais, e então pude ver; e sentir. A figura de uma criança inócua deu lugar à um homem, que me fez erguer do chão com algumas lufadas de ar. Aquele rosto olhou-me daquele ângulo; de um lado a deformidade de carne fumegante; e de outro, um rosto belo e sem sequelas. O corpo, na mesma posição que o garoto sentara antes, estava coberto por um terno ajustado e robusto. Ninguém pareceu prestar atenção na troca repentina de personagens, e mais um passo foi dado para trás, enquanto mil pensamentos uivantes gritavam em minha mente, como agulhas sendo alfinetadas em meu cérebro.

— Fique longe...— sussurrei, elevando a mão a frente do corpo. Então ele se ergueu; movimentos reais e estranhamente não humanos.

Um passo a frente, seguido de outro. Vozes na escuridão parecia o acompanhar, atingindo minhas vias auditivas até que fossem altas o bastante para causar dor. Minha coluna curvou-se para a frente, e naquele momento minhas mãos protegiam os ouvidos; mas os gritos e protestos já estavam dentro de mim. Opacos, vívidos. A visão foi afetada, e a luz em meus globos oculares tornou-se cada vez menor. Então juntei minhas forças sobre minhas articulações, encarando a figura mais perto. Calei as vozes em minha mente e reivindiquei o controle de minhas ações.

— Fique longe de mim! — com toda a força de minha garganta, consegui gritar, e minhas cordas vocais pareceram estranhamente secas.

Mas então, me dei conta de que quem estava a poucos passos de distância de mim era o garoto. Os olhos marejados transbordaram diante da mensagem implícita no meu grunhido, os lábios rosados estremesseram conforme permaneci alheia ao acontecido, e somente quando o menino correu para longe de mim eu pude ver: ele sempre estivera ali.

Save MeOnde histórias criam vida. Descubra agora