9. Feelings

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Não dormi. Não quando as palavras grifadas no quadro ainda se mantiam vivas em minha memória, rodopiando pelos cantos sombrios de minha mente. Deitada na cama, todos os acontecimentos anteriores vinham à tona. De novo e de novo. Não movo um músculo contra tais pensamentos; permito que venham, confusos e duvidosos. Eu era Haamiah, e confessar isso atiçava meus neurônios.

O alarme tocou ao denunciar meu horário habitual, e embora não fosse um dia de trabalho, obriguei meu corpo a se erguer. Ignorei as letras iluminadas pela luz solar que agora invadia grande parte do quarto, e assim me conduzi para o banho, fazendo com que aquele dia e meus atos fossem normais apesar das circunstâncias.

E no momento em que permiti que a água morna do chuveiro caísse sobre minha pele, desfiz toda e qualquer palavra que se manteve viva em minha cabeça. Antes, havia cogitado relaxar os músculos em minha banheira, entretanto, as imagens odiosas de sangue e o rosto bestial se fezeram presente e eu me afastei antes que se tornasse permanente.

Quando finalmente terminei o banho, saí do cômodo e direcionei-me de frente ao espelho. Pelo reflexo, avaliei as gravuras ainda escritas; em uma língua diferente da minha, mas não distinta em minha visão. A toalha deslizou por meu corpo até cair sobre meus pés, e assim voltei minha atenção para meu corpo propriamente nu. Bolsas escuras abaixo dos meus olhos denunciavam as noites mal dormidas, enquanto o resto de mim aparentava indisposto.

Enquanto olhava para mim mesma, tentei reconhecer quem eu era; quem eu deveria ser. Agora, o julgamento que um dia criei sobre meu próprio caráter, pareceu estranhamente distante. Estava... Alheia ao meu reflexo.
Perdida dentro do meu respectivo ser. Partida em direções diferentes.

Mas a ardência em meus pulsos me fez erguer-los à frente, e diante do meu campo de visão, pude verificar o momento em que a pele modificou-se. Carne retorcida agora formava ondas ao redor, avermelhada como fogo e a sensação era a mesma. Correntes invisíveis apertaram a área, em chamas, me fazendo quase grunhir se não fosse pelo piscar de pálpebras, que me trouxe de volta à realidade e comprovou que aquilo não passava de uma visão. Ou um truque.

[...]

Ao descer o primeiro degrau, sentindo o aroma de bacon fazer cócegas em minhas narinas, seguida da música cantarolada na voz roufenha de meu irmão mais velho, pude sentir que novamente estava onde queria estar: em minha casa; onde os acontecimentos não perdiam a trivialidade. Com um sorriso, desci o lance de escadas e direcionei meus pés protegidos por pantufas até a cozinha, franzindo o cenho diante da primeira imagem que vejo. O corpo masculino me pareceu estranhamente ajustado no avental rosado, que combinava com a touca de banho na mesma tonalidade. Minha touca. Os olhos distraídos de Dean recaíram sobre mim ao notar minha presença, e a música cantarolada por ele se dissipou conforme seus movimentos ritmados paralisaram gradualmente.

— Há quanto tempo está aí? — A voz modificou-se, assumindo um tom uniforme; diferente do modo utilizado para exercitar suas cordas vocais.

— Há tempo o suficiente para te ouvir cantar Taylor Swift e rebolar no ritmo. Até que essa vestimenta fica melhor em você do que em mim — sorri, ao sentar-me adequadamente em frente ao balcão de mogno reluzente.

— Do que você está falando, garota? Que Taylor Swift o quê, aqui é cabra-macho. — enchi a boca de ar na tentativa de conter a risada que subiu até os lábios ao notar que meu irmão levara tal comentário verdadeiramente a sério, removendo rapidamente a touca de sua cabeça e a mantendo distante de si enquanto retornava a mexer sua fritura ao fogo. — Agora você vê... Taylor Swift; nem conheço essa mulher.

— Bom, posso ter ouvido e visto errado — sibilei, dando de ombros e sustentando a aparência afável. Meu irmão então preparou meu prato como habitual, e o arrastou pelo mármore em minha direção. Ao visualizar o conteúdo, vejo que os ovos mexidos formavam olhos, enquanto as tiras de bacon representavam uma boca sorridente.

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