Capítulo 14

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Anne piscou e abriu os olhos, a cabeça confusa e um pouco grogue. O céu estava cinza e nublado acima dela, com a chuva caindo suavemente em seu rosto. Ela ainda estava deitada de costas, a grama macia e verde toda encharcada e nojenta sob seu corpo.

Uma figura obscureceu sua visão, e ela decidiu se concentrar no rosto bem na sua frente. 

Ela sorriu, seu coração batendo um pouco no peito.

— Gilbert... — Ela suspirou em um sussurro amoroso.

Mas então seus olhos se arregalaram quando ela percebeu o que estava acontecendo.

Porque o braço de Gilbert estava levantado no ar, e pausou quando ele percebeu que Anne finalmente estava acordada e consciente. 

— Finalmente! Você está acordada! — Gilbert disse, sua mão mortal a apenas alguns meros centímetros de sua bochecha.

Anne se mexeu e se sentou o melhor que pôde, apoiando-se nos cotovelos para tentar entender o que estava acontecendo.

— Espere, você ia me dar um tapa?! — Anne questionou. 

Gilbert parecia um pouco envergonhado, seu cabelo molhado em seus olhos. 

— Bem, sim. Você não ia acordar tão cedo e eu pensei em tentar, tipo, te acordar como você vê na televisão o tempo todo, sabe? — Então ele encolheu os ombros. — Valeu a tentativa.

— É preciso sempre recorrer à violência para tudo?! — Anne bufou, tirando o cabelo dos olhos. 

— Sim? — Gilbert sorriu, ajoelhado ao lado dela. 

Anne escolheu ignorá-lo, olhando ao redor. O rio de prata e o lago da reencarnação estavam bem ao lado dela, o último lugar em que ela estava antes de todo esse pesadelo começar. 

— Gilbert, o que está acontecendo? Por que estou de volta a este buraco do inferno?

— Ei, eu ouvi isso. — Uma voz familiar disse ao longe. 

Isso fez Anne se encolher, e Gilbert lançou um rápido olhar de aborrecimento para a companhia deles. A versão cruel do Destino estava sorrindo e acenando para os dois de uma forma condescendente. Seu terno e gravata junto com seu cabelo penteado ainda estavam em perfeito estado como sempre, a chuva não ousando tocar o ser de outro mundo. 

— Fomos trazidos de volta para ser punidos... — Gilbert parou.

 Ele estudou Anne por alguns segundos, seu rosto neutro e os pensamentos girando em sua cabeça. Anne o encarou de volta, sem saber o que fazer ou dizer. Isso era tecnicamente tudo culpa dela. O que quer que aconteça foi tudo por causa dela. 

E então algo mudou, e os olhos de Gilbert brilharam com fogo e algo mais. Ele começou a bater levemente no ombro e braço de Anne quando finalmente estalou. 

— Que merda você estava pensando?! Você sabe o tamanho do ataque cardíaco você me deu quando esse imbecil me disse que você basicamente se convenceu de ficar comigo?! Quão estúpida e irresponsável e... — Gilbert bufou, seu rosto se enrugando um pouco com o olhar amoroso que Anne estava dando a ele no momento. 

— Eu queria estar com você. Foi tão simples quanto isso. — Disse Anne, seu olhar penetrante, confiante e forte, e fazendo o coração de Gilbert pular uma batida. Ela sente muita falta dele. 

— Isso é estúpido. Por que você iria a tal extremo só por mim? — Ele murmurou, desviando o olhar. — Eu não valho a pena. — Sussurrou suavemente. 

Anne ficou brava com isso e estendeu a mão para dar um tapinha na testa dele. 

— Cale a boca, ou eu vou ficar realmente muito chateada. Você vale tudo. — Anne insistiu em uma voz clara. — Não me faça ficar boba com você, escrevendo canções de amor, poemas e essas merdas. Porque se você quiser, eu vou.

Gilbert se encolheu com isso, bufando e sorrindo apesar da situação séria em que se encontravam. 

Tudo ficou em silêncio novamente, exceto pelos sons da chuva contra as folhas e a grama. Havia tanta coisa que Anne queria dizer, mas ela não sabia por onde começar. 

— Viver todos os dias sem você era uma agonia. — Ela sussurrou. — Nós continuamos nos encontrando, uma e outra vez, apenas para nos separarmos quando finalmente tivéssemos um ao outro. Foi além de uma tortura...

— Foi assim para mim também. — Gilbert respondeu de volta, olhando para Anne por baixo dos cílios.

Gilbert estendeu a mão para traçar as pontas dos dedos frios ao longo da bochecha de Anne, então cobrindo seu rosto. Anne aninhou-se em sua palma, movendo os lábios um pouco para que pudesse dar um beijo rápido no pulso de Gilbert. 

— Eu acordava de um pesadelo, incapaz de lembrar por que me sentia tão vazio por dentro. Eu sentia sua falta e queria você tão desesperadamente, e eu estava constantemente chorando sem saber por quê. E então eu encontraria você em outra vida, e lembraria que éramos almas gêmeas, e então choraria um pouco mais. — Seus olhos ardiam um pouco.
  

- Você não foi o único. - Anne murmurou, inclinando-se para perto de Gilbert. - Em quantas vidas eu reencarnei, mas nunca fui capaz de te alcançar? Quantas vezes nos encontramos e ainda não fomos capazes de ter um final feliz? - Anne perguntou em voz alta.

- Eu posso responder isso por você... - O cruel Destino começou a oferecer, mas os dois olharam para ele novamente. - Ou não... você sabe, realmente não importa de qualquer maneira.

- Aquele imbecil ali me disse a verdade sobre o que significa ser a alma gêmea de uma alma pura. Você seria torturado e tirado de mim em cada nova vida que vivêssemos. Você iria morrer uma e outra vez, até que nosso fio se rompesse. Sinto muito. - Anne fungou. - Eu não sabia disso quando amarrei nossa linha. Eu sinto muito por ter feito isso, e se eu pudesse voltar atrás, eu faria.

Gilbert se acalmou com suas últimas palavras, seu corpo inteiro tenso e imóvel. Ele se afastou de Anne por um segundo e semicerrou os olhos em suspeita.

- Você está dizendo que se arrepende de amarrar sua linha a mim? - Ele perguntou, sua voz mortalmente quieta.

- O que? Não, estou dizendo que você merece muito mais do que eu. - Anne argumentou, sem saber por que Gilbert parecia tão bravo novamente.

- Isso é estúpido. - Gilbert disse a ela.

- Mas é isso que tem que ser. Decidi que vou quebrar o que resta de nosso fio e libertar você. Você pode finalmente viver sem o fardo de estar com uma alma pura. Ninguém virá atrás de você. - Anne sorriu tristemente, levantando sua mão que estava na bochecha de Gilbert. O fio vermelho estava amarrado em seu dedo mínimo, e ela agarrou a área que estava realmente fraca, o local onde estava perigosamente desgastado e mal se agarrava ao dedo. 

Gilbert respirou fundo, observando com horror quando Anne pegou sua outra mão e puxou com toda sua força.

Em uma fração de segundo, Gilbert abordou Anne antes que ela estivesse prestes a quebrar a linha.

- Ai, o que foi? - Anne exclamou.

- Não! Eu não vou deixar você quebrar nossa linha! - Gilbert disse teimosamente, empurrando Anne de volta na grama.

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