CAPÍTULO 21

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O vento chegara a um limite insuportável, pinicando seu corpo com areia e cascalho num processo doloroso. De vez em quando, um objeto maior passava voando, pegando-a de surpresa. Um galho. Algo semelhante a um camundongo. Um fragmento de telha. E incontáveis pedaços de papel, todos rodopiando no ar. Então vieram os relâmpagos.

Haviam vencido metade da distância até o prédio, talvez um pouco mais quando os raios surgiram do nada, e o mundo ao redor irrompeu em luminosidade e trovões.
Os raios caíam do céu em descargas sinuosas, como barras ziguezagueantes de luz branca, chocando-se contra o solo e levantando quantidades imensas de terra. O estrondo era alto demais para suportar, e os ouvidos de Maitê começaram a se entorpecer. O ruído assustador diminuiu enquanto a pressão a ensurdecia.

Continuou correndo, quase às cegas agora, incapaz de ouvir, mal distinguindo o prédio. Garotos caíam e se levantavam. Maitê cambaleou, mas recuperou o equilíbrio. Ajudou Luiza a se levantar, depois Isac.

Era apenas uma questão de tempo até que um raio acertasse alguém e o fritasse. O mais estranho é que não havia nem um pouco água para pingar nas suas cabeças. Apenas clarões iluminando o grupo e desaparecendo em seguida.

De repente um clarão atingiu a frente do grupo. Um raio atingindo o chão e levantando uma nuvem de poeira sobre todos. Maitê já não estava mais na frente deles. Encontrava-se no meio, junto dos Onze. A multidão diminuiu o passo e a medida que ela avançava viu que alguns abaixavam as cabeças para olhar algo no chão. Quando ela chegou perto o suficiente viu uma cratera no chão e no centro dela o garoto Jack, encolhido, com as pernas decepadas e o sangue escuro a toda volta. Ela não olhou muito para aquilo mas teve certeza que a visão era aterrorizante quando Luna recuou e esbarrou em Maitê, soltando um gemido de susto ao fazer isso e depois se virando para a cratera com os ombros encolhidos. Ela a abraçou de lado e a guiou para longe.

- Venha. Temos de ir -- Luna a seguiu com o passo mais lento e depois retornou a sua corrida normal, se afastando de Maitê.

Ela olhou em volta e percebeu que todos estavam distantes. Era cada um por si.

Instantes depois, outro raio caiu a sua direita. Irrompendo seus ouvidos, a fazendo cair de lado. Uma onda de poeira e pequenas pedras atingiu seu rosto. Maitê sentiu a pele arder e levou as mãos a cabeça, tentando se livrar do zumbido que machucava seus tímpanos e a impedia de escutar tudo ao redor.

Quando tirou as mãos dos ouvidos e ergueu o rosto para olhar em volta percebeu que havia encolhido as pernas também. Ela também se deparou com uma pequena cratera no chão. E o corpo de Luna jazia ali, com uma linha de sangue escuro traçando suas roupas e o corpo inerte. Ela se fora.

- Luna!

O grito de Emily. Foi o que rompeu sua surdez parcial.

Maitê a viu correr na direção dela e parar assim que viu a cratera no chão. Seu rosto foi tomado pelo choque e quando um relâmpago iluminou o Deserto, ela pôde ver os olhos de Emily brilharem pelas lágrimas. Maitê se virou para Luna outra vez, deixando um soluço escapar e viu que seus olhos estavam cheios de sangue que descia pelo seu rosto como lágrimas.

Emily abriu a boca com o queixo tremendo e os olhos arregalados, porém som algum saiu, então ela recuou dois passos e começou a soluçar. Nunca pensara vê-la daquele jeito. Mas entendia a dor de perder um amor e aquilo lhe fez derramar lágrimas também.

Ter de tirar Emily de perto dela a doía muito, e deixar Luna para trás era pior ainda, mas não tinha escolha. Emily tentou resistir, sacudindo os braços para escapar das mãos de Maitê, mas ela segurou com mais firmeza e grudou a boca em seu ouvido. As lágrimas lhe descendo o rosto.

- Precisamos ir -- Falou com a voz fraca e chorosa.

- Não! -- Emily berrou mas também parou de lutar. As pernas fraquejaram e ela caiu de joelhos.

Ajoelhada, o rosto apoiado no ombro dela, com os olhos apertados e as lágrimas descendo, os braços passados ao redor de Emily que chorava com uma das mãos segurando seu braço passado a frente de seu peito.

Emily gritou. Um grito de pura tristeza, a fazendo soluçar também e abraçar o corpo dela com mais força.

- Por favor... por favor, precisamos ir -- Maitê lhe deu um puxão para que se levantasse, depois a guiou por uns instantes quando ela começou a caminhar, e depois a correr.

Outro clarão irrompeu seus olhos mais a frente. Ela limpou as lágrimas do rosto, mas não adiantou. Continuava a chorar enquanto era atormentada pela ideia de que podia perder mais alguém.

Outros vários clarões irromperam perto dela, mas tudo que Maitê tinha de fazer era seguir em frente.

Ela já podia ver o primeiro prédio da cidade com um pouco de nitidez quando a chuva começou a cair. Atravessou a porta que antes era de vidro e agora tinha um grande vão e cacos espalhados pelo chão.

Ela se jogou contra a parede e fechou os olhos alguns instantes. Seu corpo inteiro doía, os braços estavam cheios de arranhões. O rosto ardendo e o cheiro do próprio sangue atingindo o seu nariz. Olhou em volta, girando os calcanhares e formando um círculo completo, lentamente. Ela viu Isac, Diego, Emily, Carlos, Luiza e Lucca. Faltavam Terê e Miguel.

Maitê mirou o lado de fora. O barulho da chuva irrompendo os seus ouvidos. Eles ainda estavam lá fora. Sentiu alguém dar duas batidinhas em seu ombro, Lucca.

- O Miguel... Miguel está morto mas... Nenhum de nós viu a Lebre ser atingida -- E sem dizer mais nada ele saiu pela porta. Maitê fez o mesmo. Ambos começaram a correr, um ao lado do outro em direção a tempestade.

- Lebre! -- Ela gritou com toda a força que tinha.

- Lebre! -- Lucca gritou mais alto. Depois eles gritaram quase ao mesmo tempo.

Quando iam tentar na quarta vez ouviram a resposta dela.

- Ei! -- Ela gritou, alongando a fala com um alto volume. Maitê sugou a energia daquele grito e a levou para o coração, dando-lhe forças para continuar a corrida.

𝑬𝑼 𝑬𝑺𝑷𝑬𝑹𝑶 𝑵𝑼𝑵𝑪𝑨 𝑻𝑬𝑹 𝑸𝑼𝑬 𝑪𝑹𝑬𝑺𝑪𝑬𝑹 / 𝑴𝑰𝑵𝑯𝑶Onde histórias criam vida. Descubra agora