Capítulo 3

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Todo mundo tem sonhos, metas, objetivos ou um simples motivo que te faz levantar da cama todos os dias.

Eu não conhecia o meu motivo até meus nove anos, quando pela primeira vez eu consegui atravessar a piscina do clube que fomos sócios por uma época em menos de um minuto.

Tá, era uma piscina infantil com uns dois metros, entretanto já era um início.

Eu tinha nove anos quando comecei a desejar acima de tudo quebrar não apenas os meus próprios recordes.

Puxei todo o ar que conseguia assim que saí do meu longo mergulho.

— E então?

Lali, que segurava o cronômetro, negou com a cabeça, indicando que ainda não era o meu melhor resultado.

— Ainda faltam bons anos até as próximas olimpíadas — Ela como sempre tentou ser otimista.

— Mas antes eu preciso ser notada, convocada e preciso passar pelas eliminatórias. Então não, não posso simplesmente sentar e esperar Deus olhar pra mim e dizer em alto e bom som "Julie, você vai representar o Brasil. Obs: traga o ouro.

Fiz a voz de Deus fina como a de uma mulher rica e poderosa, alguém de origem francesa ou escocesa. Como se eu já tivesse conhecido mais que personagens dessa forma.

Larissa deu risada me estendendo a toalha.

— Talvez você precise se distrair um pouco, quando o Breno vem pra cidade? Podemos sair em um encontro duplo.

Breno meu namorado, nos conhecemos quando eu fui a um jogo de vôlei de sua equipe. Eles são muito bons, alguns estão inclusive tendo que lidar com olheiros da nossa seleção.

Ele vem vez ou outra e a Lali sempre tem a mesma ideia "um encontro duplo" só que a dupla dela está sempre mudando.

Isso deixa o clima meio estranho, principalmente quando Breno gosta do acompanhante e quando eu digo que vamos a um encontro ele sempre pergunta "e como o * Está? A gente tem se falado pouco" aí eu tenho que dizer que eles não estão mais juntos.

É estranho ver um homem de quase dois metros lamentar por ter que conhecer estranhos em jantares esquisitos sempre que vem me ver, eu não o julgo, também odiaria.

Mas fazemos o que é necessário pelos amigos.

— Claro, pode ser divertido — concordei já fora da piscina enrolando a toalha em meu corpo — mas agora eu preciso ir, o app me notificou que as minhas compras chegaram e eu tô animada.

— Você está sempre animada, ama os correios.

— Eu amo muito os correios — afirmei — ah, você pode me mandar por e-mail depois algumas das suas anotações da aula de hoje? Meu corpo estava lá e a minha mente já estava nadando.

— Aham, me manda uma mensagem mais tarde pra eu não esquecer.

Lali também faz educação física, conseguiu uma bolsa de atleta assim como eu, entretanto sua meta é estar dentro das salas de aula ou em quadras comandando brincadeiras infantis.

Respondi minha amiga com uma joinha andando de costas a caminho do vestiário, uma ducha gelada e um casaco quentinho e eu fiz o mesmo caminho que faço todos os dias para casa pronta para tomar um banho de verdade antes de me deixar debaixo do meu cobertor quentinho.

Peguei a grande caixa na porta e entrei tranquila, o funknejo do apartamento do lado não me incomodou o suficiente para notar.

Hoje em dia é quase obrigatório ter um pouquinho de amor por esse tipo de música.

Passei a tesoura pela fita que fecha a caixa ansiosa pelos meus novos maiôs, aproveitei que já estava pagando o frete também para comprar uma camisa do meu time de futebol.

Vai por mim, tem muitas das minhas economias guardadas nessa muito bem embalada caixa cheia de livros.

— Livros? — perguntei a mim mesma sem acreditar tirando alguns da caixa, apenas romances do mais clássico ao mais fantasioso, do mais inusitado ao mais clichê.

Voltei os exemplares para a caixa e deixei minha mochila no chão antes de sair do apartamento carregando a caixa comigo, entrei no elevador e contei até 17, foram esses os segundos que levei para chegar ao saguão.

— Boa noite Jorge, acho que o senhor se enganou de endereço — coloquei a caixa sobre o balcão da recepção.

— Sério? Mas você me disse que estava esperando uma encomenda para hoje.

— Disse sim, mas não um bando de livros que chegam a derreter de tanto — Cu doce — Romance acumulado.

Vai por mim, esses livros são prováveis infinitos de mocinhas confusas e caras de caráter duvidoso, não preciso ler para saber e afirmar isso.

— Realmente, o melhor da categoria de romance — Me assustei com a presença do meu vizinho — acho que o nosso porteiro errou as portas.

Ele disse a última frase como um trocadilho.

Colocou uma caixa sobre o balcão e a empurrou para o meu lado.

— Eu nunca compraria em lojas de esportes, vai por mim, se você acha que a minha caixa cheia de conhecimento tem defeitos deveria rever a sua caixa de esportista sem cérebro.

Ele está falando mal de esportes na minha frente.

— Meu caro vizinho, acredito que não saiba do que está falando. Aqui dentro está tudo o que é preciso para ficar em forma, para ser saudável e ter saúde.

Ele esticou o braço e levantou o livro "O morro dos ventos uivantes" bem próximo ao seu rosto, — Não se precisa de saúde com isso aqui" falou antes de pegar sua caixa e piscar na minha direção de forma indiscreta antes de voltar para o elevador.

— Qual o problema desse cara?

Perguntei a Jorge enquanto confirmava se estava tudo okay em minha caixa sem muita expectativa de resposta.

— Eu não sei, ele é músico.

Dei um sorriso com o comentário do homem antes de agradecer e voltar para o meu apartamento.

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