Capítulo 12

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Não sei dizer ao certo quantas vezes levantei a mão fechada diante daquela porta azul desbotada tomando coragem para chamar a atenção da mulher que está lá dentro provavelmente torcendo para ter se livrado de mim pelo resto dos seus dias.

Mas a coragem não se fez presente, era como se uma agonia crescesse em meu peito sempre que eu me aproximava; aquela sensação de que eu iria piorar tudo e iria colocar prováveis oportunidades futuras por água abaixo.

Sabe o que mais afeta carretas atléticas que falta de talento? Falta de comprometimento, ir contra as escolhas do técnico é sem dúvidas a pior decisão que se pode tomar.

Me afastei da porta quando vi a maçaneta girar praticamente me jogando sobre a cadeira preta de plástico duro em um canto, pronta para me levantar e fingir ser apenas uma coincidência quando a treinadora notasse minha presença percebi que era apenas Ramon.

— A treinadora está?— Perguntei me levantando, ele tirou um mastigou o chiclete que passava por sua boa pacientemente.

— Sim, ela está terrível hoje — Me sentei novamente sentindo toda a minha coragem (se é que ainda existia alguma) partir junto com o vento que passava pela porta mais próxima.

— Terrível quanto?

Perguntei para ter uma noção, talvez não fosse muito ruim.

Ele mexeu no bolso e tirou dali um papel.

— Ela trancou o meu violão no armário dela e me deu uma data de retirada por segundo ela "encher o saco".

A verdade é que a treinadora não pode fazer coisas desse tipo, não é o primário onde os alunos precisam ser disciplinados.

Mas eu entendo que alguém cantando a todos os momentos pode encher o saco.

— Você está pálida, não vai desmaiar ou algo do tipo né?

Voltei a olhar para ele um pouco perdida em meus pensamentos.

— O que? Não, eu só 'tô pensando um pouquinho.

— Olha eu estou indo comer em um lugar aqui perto, talvez você consiga pensar melhor sem toda a pressão das chances dela abrir essa porta.

Eu sou boa em agir sob pressão, mas talvez pensar não seja exatamente o meu forte.

Nunca fui uma boa aluna em aulas que precisava usar a lógica ou a memória, a verdade é que eu sou uma aluna esportista e só me saia bem envolvida nessas matérias. Talvez por esse motivo eu tenha gasto um bom dinheiro para que alguém fizesse os meus trabalhos de recuperação todo final de ano.

Se não fosse por eles e por uma sorte danada ao pintar bolinhas no vestibular nada disso seria possível, na verdade eu provavelmente ainda estaria tentando convencer meus pais de que cabe sim uma piscina no quintal de nossa casa e que treinando lá eu poderia fazer testes para convencer equipes a me "aceitarem".

— É, comer algo pode ser uma boa — Me dei por vencida sabendo que as chances de eu ter coragem de bater naquela porta são quase nulas.

Saímos juntos da faculdade, sem dizer nada caminhamos um quarteirão após o outro e uma pequena dúvida sobre continuar esse caminho passou a crescer em meu peito.

Quantas mulheres são mortas diariamente por não se alertarem ou não ter tempo o suficiente para isso? Então já emiti um sinal para o meu cérebro de que devo precisar correr a qualquer momento.

— Quando você disse que ia comer em um local aqui perto eu realmente levei a sério acreditando que se tratava de um lugar perto.

Tentei puxar assunto alguns passos para trás do garoto que tem quase a minha idade e que assobiava sem parar.

— Já é aqui do lado — Falou calmo — Na praça.

Dei um passo longo o alcançando.

— Praça? 

— É onde se encontra a melhor comida desse lugar.

— Só pode ser brincadeira.

Lamentei.

— Não me diga que não gosta do cachorro quente completão da praça, é show demais, irmão.

Irmão? Quem é irmão?

— Já ouviu falar sobre os riscos de comer comida de rua?

Ele parou de andar e me encarou de forma indignada com aqueles olhos pretos brilhantes.

— Não é um restaurante de luxo, mas também não é um lixão — Falou sério — Você deveria valorizar mais aquele senhorzinho bonzinho que monta cachorro quente com tudo o que você nem imagina que tem em um cachorro quente.

— Exatamente, tem muita coisa lá — Ajeitei minha mochila — Faça bom proveito.

— Tá falando sério? Vai negar experimentar o melhor cachorro quente da cidade por frescura?

— Estou próxima de casa, vou comer uma deliciosa salada de cenoura com pepino.

Dei as costas para ele e antes de me distanciar o suficiente dei um sorriso ao ouvi-lo gritar com bom humor "Sua vida deve ser muito triste".

Mas a minha vida não é triste, ela é exatamente segura do jeito que eu sempre espero que permaneça.

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