Eu sempre coloquei em uma linha superior entre as pessoas que suporto quem consegue agir de acordo com os compromissos que faz.
Mas hoje quando eu liguei para Priscila e disse que estava me sentindo mal, assim não podendo comparecer ao treino de futebol percebi que estava agindo como as pessoas que não suporto.
Pessoas que acham que o mundo gira ao seu redor assim podendo desmarcar ou se atrasar para compromissos. Lamentei sobre isso deitada debaixo do meu cobertor sem nenhuma vontade de me levantar.
— Inferno — Eu disse puxando um travesseiro e jogando por cima da cabeça.
Que playlist horrível é essa que esse cara do lado escuta?
E porque ele está afinando a voz enquanto canta spice girls?
Neguei com a cabeça lamentando ter que ouvir aquilo me levantando de minha cama e indo até a cozinha que parecia tão limpa, se Breno não tivesse vindo eu acreditaria que entrei no apartamento errado.
Coloquei aquele resto de comida sem gosto em um prato enfiando no microondas logo em seguida.
Peguei meu prato o colocando sobre a mesa e enchi um copo de vinho para ajudar a descer.
— Eu devo ter errado muito na vida passada — Reclamei comigo mesma ouvindo que o estilo de música tinha se voltado novamente ao funk, com isso o tom de voz dele mudou mais uma vez.
Ninguém merece ouvir músicas machistas falando sobre mulheres e crimes como se fosse a coisa mais maravilhosa do mundo, Ramon está cantando como se fosse a coisa mais envolvente desse mundo.
Mastigando aquelas cenouras com couve e couve flor recém esquentados tentei ignorar ele cantar aquela música que adolescentes dançam no tik Tok.
Levantando o garfo mais uma vez parei o movimento com o braço antes de alcançar os lábios refletindo sobre uma possibilidade: será que ele está fazendo isso? Será que Ramon Lopes está gravando tik tok?
Deixei tudo de lado enquanto me mexia pela casa procurando onde meu celular havia sido deixado, não estava na cama e nem nas roupas da cadeira que preciso guardar, também não estavam nas roupas sujas do cesto.
— Onde eu coloquei você?— Perguntei pra mim mesma — Alexa liga pro meu celular — Fui ignorada — Alexa?
Ótimo, o único utensílio dessa casa que fala comigo também não quer falar comigo.
— Alexa?— Tentei mais uma vez — Liga pro meu celular.
— Outra vez?
— E você já ligou alguma vez?
— Julie, deseja aumentar o volume?
Ai que burra.
— Sim, por favor!
Ouvi meu celular tocar e me abaixei para alcançar o telemóvel debaixo da minha cama, como ele foi parar bem lá no meio é uma dúvida que eu não sei como responder.
Sentada no chão abri o google procurando pelo nome desse aplicativo.
— Como assim não dá pra digitar por aqui?— Reclamei migrando para o play story.
Após excluir praticamente metade dos meus aplicativos para conseguir nutrir minha curiosidade, joguei o nome dele nas buscas descobrindo que Ramon Lopes também é @/FitzwilliamRamon.
Quem é Fitzwilliam eu já não faço ideia.
Deslizei o dedo por seu perfil notando que além dos vídeos tocando violão - que eu não abri - tem alguns segurando livros e talvez falando sobre eles - também não abri - continuei descendo a tela até uma tela vermelha chamar minha atenção, abri o vídeo e aumentei um pouco o volume.
Atrás de um microfone de olhos fechados o garoto com a voz bem suave iniciou um cover, reconheci a letra logo de início.
Never be alone do Shawn Mendes é um clássico, daquelas músicas que dificilmente ficam ruins, pelo menos na voz dele não ficou ruim.
Talvez ele tenha um pouquinho de talento longe de todas as músicas que tem cantado hoje, bem longe, distante.
Me levantei do chão quando vi algo passando por debaixo da minha porta, me aproximei com um pouco de receio de não querer estar em uma cena de crime.
Notando que era água abri a porta e pisei descalça no chão gelado e molhado do corredor. Senti meu corpo se arrepiar com o frio repentino enquanto eu andava devagar até o apartamento do lado com a intenção de perguntar o porquê dele estar deixando sua sujeira escorrer para o meu apartamento.
Mas para a minha surpresa acabei sendo recepcionada ainda no corredor, fechei os olhos sentindo o impacto de toda aquela água sobre meu corpo. Não tenho problemas com água, não mesmo, eu sou uma nadadora, mas fui totalmente pega de surpresa.
Passei a mão pelo rosto sentindo um forte cheiro de sabão, abri os olhos vendo Ramon segurando um balde verde enquanto me encarava com um sorriso de orelha a orelha. Como uma criança quando apronta.
— Desculpa?
— Você é sempre tão sem noção? Não vê o que faz?
— Eu estava lavando o corredor, como eu ia adivinhar que você iria aparecer no meu caminho?
— Talvez eu tenha precisado já que você está inundando o meu apartamento — Esbravejei.
— Puts, sério? Esse prédio é muito torto — Ele mudou de assunto — Acho que o pessoal da engenharia e arquitetura passa por aqui pensando em quando isso aqui vai desmoronar.
Balancei os braços antes de mexer em meus cabelos que já começavam a endurecer.
O deixei sozinho caminhando de volta toda molhada com aquela água com água sanitária e detergente com o cheiro extremamente forte.
— Quer que eu seque seu apartamento? É só deixar a porta aberta que eu faço isso, já que a culpa é totalmente minha.
Meu apartamento tá uma bagunça.
— Quero tudo limpo quando sair do banho.
Entrei já me adiantando para pegar as roupas da cadeira passando-as pro guarda-roupa e colocando as roupas que estavam espalhadas pelo chão no cesto de roupas sujas, por fim peguei uma camisa do Flamengo e uma calcinha antes de entrar no banheiro trancando a porta.
— Tomara que meu cabelo não caia — Eu disse passando as mãos pelos cabelos duros em frente ao espelho.
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Todos Os Sons Do Nosso Andar
Novela JuvenilCom a intenção de fazer seu novo vizinho diminuir os altos sons de gemidos que balançam a parede que separa seus apartamentos, Julie tem a ideia de gemer mais alto - falsamente- para atrapalhá-lo, mas acaba atiçando a curiosidade do músico. #Tosdnan...