Minha família nunca foi uma família que deu respostas que me estimulavam a achar que as coisas que me deixavam triste tinham um motivo real. Uma criança de rua está na rua porque é uma realidade, por mais que seja triste, 'ela só está lá porque está lá', era sempre o que me falavam. E nunca me foi dito um motivo concreto para que ela estivesse lá, mas sim que estava porque estava. E isso, indiretamente, me fazia pensar e buscar me aprofundar sobre determinados assuntos da vida. Buscar motivos para coisas que aconteciam era algo constante em minha cabeça e mesmo quando algo realmente não tinha um motivo para acontecer, eu tentava encontrar o porquê. Até que eu descobri que coisas ruins acontecem sem motivo e tendem a acontecer com pessoas boas. Aos treze anos, quando perdi a única pessoa que me dava respostas, todas as perguntas que eu já havia respondido se transformaram em grandes interrogações novamente. Hoje, aos vinte e nove, aprendi que por mais que eu busque respostas, nunca vou encontrar.
Esses pensamentos sempre me atingiam, ainda mais quando eu estava fazendo algum tipo de exercício, a cabeça estava vazia o suficiente pra me fazer lembrar de como minha vida foi um dia. Sem nenhuma tela e sem música para me fazer preencher um pouco do silêncio que existia na minha solidão, não havia motivos para não pensar, elas estavam sempre lá. As lembranças não me abandonariam nunca, em alguns momentos eram mais fortes, em outros momentos se camuflavam entre um som e outro, entre uma tarefa e outra. Eu tentava me ocupar, lembrar não era bom, não me fazia bem e eu preferia sempre não ter lembranças.
Aumentei o ritmo. As gotas de chuva começaram a bater de leve em meu rosto se misturando com o suor que escorria da minha testa, por não querer chegar encharcada em casa, mas não adiantou muito me esforçar mais. Faltava mais ou menos cinco quadras até chegar no meu prédio e minha blusa estava completamente colada em meu corpo devido a água que caia do céu de forma mais intensa agora. Correr me fazia bem, mas correr na chuva era algo que eu detestava. Eu sentia frio, minha respiração não funcionava direito e eu ainda tinha que contar com o medo absurdo que eu tinha de quando um clarão se formava entre as nuvens, para logo em seguida vir o barulho ensurdecedor que me arrepiava dos pés a cabeça, estar na rua nesses momentos era um pesadelo. Eu só queria estar em casa, embrulhada da cabeça aos pés pela minha coberta com estampa de bichinhos.
No mesmo momento em que os pensamentos sobre relâmpagos e trovões se dissiparam da minha mente, o clarão veio. O barulho que se seguiu foi ensurdecedor para meus ouvidos. Mais uma vez aumentei o ritmo, encontrar a portaria do meu prédio seria o mesmo que encontrar uma tábua de salvação. Assim como no Titanic, em que uma porta no meio do mar congelante salvou a Rose, eu seria salva assim que cruzasse os portões que dividiam o prédio em que eu morava da rua. Não tão rápido assim, eu ainda precisava chegar ao meu apartamento e ir direto para o meu lugar seguro.
- Oh, dona Gizelly, a senhora quer que eu vá lá pegar uma toalha pra senhora não entrar assim em casa? Tá parecendo pinto molhado. - Sr Felipe apareceu com um guarda-chuva quando eu entrei pela porta lateral que ficava ao lado da guarita. Ele devia ter seus sessenta anos, ele trabalhava há muito tempo naquele lugar e sempre estava por perto. Era um senhorzinho simpático, se preocupava comigo, segundo ele, eu lembrava a filha dele, pode ser também por eu ser uma pessoa um pouco solitária, ele devia ter pena de mim.
- Eu não quero ocupar o senhor com coisa boba. - Eu sempre me preocupava se ele não ia tomar bronca por minha causa. Mas moro nesse mesmo condomínio desde que mudei pra Natal, há uns cinco anos, ele era o porteiro na época e já dava seu jeito de escapulir da guarita e me ajudar. Agora ele era o supervisor dos zeladores do condomínio, era mais fácil continuar me ajudando.
- Eu já disse que me viro com Sr Rui. Dona Marcela veio aqui, perguntou pela senhora, o Luís disse que não devia demorar. Mas como tava tudo se preparando pra uma tempestade, ela preferiu não entrar. Quis nem entrar com a chave que a senhora deixou pra ela. - Ele falava sem parar enquanto me acompanhava. Continuei em silêncio por todo o caminho, ele deixou o guarda-chuva que dividia comigo em um cantinho da área comum quando entramos na torre em que ficava o meu apartamento e me seguiu no elevador.
- A Marcela não falou o que queria? - Perguntei quando o elevador já estava em movimento.
- Não, ela só perguntou se a senhora tava em casa, se ia demorar e disse que precisar ir pra não pegar tanta chuva no trânsito de volta pra casa. Ainda tava claro, a senhora tinha saído fazia pouco tempo. - Eu demorei uma hora e meia na minha corrida. Sai pouco depois das 17h, corri no calçadão, sentindo a brisa que vinha do mar e quando voltei já estava bem escuro mesmo, passava das 18:30h, e com a chuva ficava mais escuro ainda.
Ao chegar no meu andar, o elevador se abriu, fui até a minha porta e a abri com as minhas chaves.
- Tem toalhas no armário do closet, eu espero aqui. - Falei com um sorriso pequeno nos lábios, eu sempre ficava sem graça quando precisava de ajuda. Principalmente se a ajuda era sobre as minhas manias.
Ele não me respondeu, só tirou os sapatos, deixando-os ao lado da porta e entrou, não demorou muito e ele voltou com duas toalhas e me entregou, uma eu joguei sobre o ombro e a outra na minha cabeça, enxuguei meus cabelos um pouco e depois os enrolei na toalha. Logo depois de se despedir e falar que qualquer coisa que eu precisasse era só ligar pra portaria, ele se foi pelo mesmo lugar que nós tínhamos vindo. Eu era grata por ter conhecido o Sr Felipe.
Depois de deixar a toalha firme em minha cabeça, eu tentei me secar o máximo que consegui e quando não tinha mais risco de molhar o chão, tirei meus tênis e com eles em mãos, entrei em casa na ponta dos pés o mais rápido que eu podia, correndo até chegar no banheiro e poder me desfazer das roupas molhadas. Estendi elas no box e com o chuveiro no máximo, tomei um banho quente pra dissipar o frio que dominava o meu corpo agora, depois eu me preocuparia em arrumar a bagunça que eu fiz ao entrar.
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Oi, meus amores. 😍
Me contem o que acharam do prólogo? Gostaram? Posso continuar?
Lembra de clicar na estrelinha pra me deixar feliz e me fazer escrever o próximo. Hahahahah
Pra quem não me segue, sou a @umamabs no twitter e lá eu aviso quando vou postar, solto algumas coisas aleatórias e converso com todo mundo. Se vocês quiserem me seguir, fiquem a vontade. 🥰
Quem fez essa capa linda foi a @_bicalimann_ e eu quero agradecer muito por ela ter se disponibilizado a fazer e por ter tido paciência pra me aguentar cobrando ela. Kkkkk 💕💕💕
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Desarrumar - GiRafa
FanfictionTudo estava milimetricamente organizado, nada fora do lugar. E como se a calmaria precisasse de um furacão, aquele apartamento precisava de uma bagunça. 🎶 E é difícil dizer, mais ainda explicar, pro meu quarto entender que toda vez que arrumo ele...