Poucas vezes na vida tive tantas certezas como tenho agora.
A primeira das certezas, é talvez a mais forte. A de que a garota ruiva que me encara no reflexo do espelho, não sou eu.
Não, de fato.
Sou duas.
Todas as minhas partes originais foram trocadas. A ponto de não me deixar mais saber quem sou. E não é apenas minha noção de identidade sendo fragilizada. É bem mais substancial que isso.
Os longos cachos vermelhos são minha única lembrança da Trice de antes.
Os olhos grandes e incisivos que me encaram são duros, instransponíveis, e me desafiam a achar mais semelhanças. Mas não existem. Elas se foram. Junto com minhas cicatrizes. As aparentes, ao menos. As que não são visíveis aos olhos, estão seguramente trancafiadas ali dentro. Ainda esperando. Ainda gritando silenciosamente.
Suzanna esteve, por mais de meia hora, tentando me convencer a usar o vestido mais chamativo possível. O mais longo, o mais esvoaçante, o mais marcante. Mas sei da verdade. Não sou uma pessoa que se dá bem com vestidos. Ou pelo menos, o que restou do que acho ser eu, ainda. Essa pequena parte continua os odiando com todas as forças. O porquê? Não tenho como saber. Talvez, para alguém cuja única experiência de vida foi com o lado mais podre e feio do ser humano, a beleza de repente tenha se tornado um medo. Uma promessa vazia que sempre vai mentir.
Uma entropia tentadora, revestida em pecado.
O universo que sempre tende para o caos.
Um vestido longo, esvoaçante e brilhante não muda muito o esquema das coisas.
O olhar de Suzanna para a mesma estranha no espelho mostra que ela ainda não aprovou de todo minha escolha.
― Odeio como você faz algo totalmente simples parecer uma grande coisa.
A seda brilha de um modo simples. O vestido é inteiro dourado. Suas pontas rodadas são retas e se espalham de maneira discreta ao meu dor. A gola em forma de M é revestida com o que parecem ser folhagens de ouro. Apenas um fino cinto da mesma pedraria corta minha cintura, caindo em forma de mais folhas de ouro abaixo da cintura. Uma capa leve com longas penas brancas. E é tudo. Os ombros perfeitos da estranha no espelho estão à mostra, e os compridos cabelos, se dividem em tranças no alto da cabeça, descendo ao longo das costas com fios soltos intencionalmente. Resisti aos pedidos dela de enfeitar o penteado com objetos coloridos, e optei apenas por uma presilha em forma de folha, também dourada.
E nada de maquiagem. Esse novo rosto não precisa dela. Ele é corado onde precisa ser, e adicionar mais cores é insultar a ideia de quem criou o conceito de beleza do mundo Insignante. No fundo, essa escolha é uma réplica irônica. Estou sendo cínica, e não ligo.
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INSÍGNIA_ Guerra Das Máquinas I
Science Fiction"Primeiro, houve a explosão. Depois, as luzes. Em seguida, o mundo acabou. E então, começou de novo. Num Depois onde o vínculo da passagem de tempo com o Antes se tornou uma sombra remota do que um dia foi o coração humano. O descontrole evo...