SEIS

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Jota sorri quando se aproxima.

― Eu não sabia que seriam perguntas tão simples. ― disparo antes que me dê conta ou que possa dar tempo para que ele puxe o ar para dentro dos pulmões.

O Banquete foi posto perto do palco, e mesas longas cheias de pratos vegetarianos cobrem cada espaço delas. Fora a Festa da Colheita, a cerimônia da Véspera da Seleção é o único dia em que todos comem a vontade e sem medo de ficar sem alimento e perder a única fonte de renda que nos mantém crescendo. Costumo pensar que é um últimato para os Selecionados que não voltarão vivos: a oportunidade de comer alguma coisa a mais que restos pelo menos uma vez na vida.

Apesar de tudo, Jota sorri. Invejo sua facilidade em contrair os músculos da face o tempo todo. Ninguém pode ser mais Gândara que Jota. Talvez nem mesmo Demétrius.

― Trice. Talvez você devesse dar um tempo. Ás vezes, acho que seu rosto está começando a endurecer demais. Logo, não conseguirei distinguir você e uma rocha.

― Não estou gostando dessa calmaria. Nada. Tudo está me parecendo fácil demais. As perguntas não deveriam ser mais elaboradas? Não deviam ser coisas que desencavassem nossos piores segredos, por exemplo? Não...

― Trice! ― Jota coloca uma de suas mãos em meu ombro. ― Eu estou falando sério. Se acalme um pouco, está bem? Você passa tantos dias por semana presa que acaba achando que o tempo fora da prisão vai ser semelhante ou quem sabe pior. Tenha calma. Esse é o momento de você comemorar com sua família.

Me limito a suspirar. Jota tem razão, só não quero admitir. Admitir coisas me faz parecer que estou cedendo, e quando cedo, me sinto vulnerável a qualquer advento que tente me destruir. As barreiras que construí ao meu redor com o passar do tempo são muito fortes. Mesmo que elas resguardem ruínas, seus alicérceres são inquebráveis. Meu escudo parece ser feito de aço puro. Não consigo me imaginar baixando a guarda. Isso significaria estar exposta a tudo que evitei até aqui.

― Está dizendo que devo me despedir?

Jota se torna eufórico.

― Estou dizendo que sua família precisa de você, Trice. Eles precisam saber o que eu sei: que você pertence aos Gândara, você vai continuar aqui. Por que simplesmente não se permite aceitar isso?

Porque nós dois sabemos que esta é a mãe das mentiras.

― Como respondeu a última pergunta?

Jota suspira, me concedendo um olhar solidário.

― Isso realmente importa?

Avalio minhas estatísticas. Minha mente parece estar enviando estática à quilômetros de distância. Sou uma bomba de eletrochoque rugindo eletricidade.

― Provavelmente não. Tudo bem, esqueça.

Me permito relaxar por um tempo, tentando encontrar minha mãe e Thomas em meio a multidão. Eles devem estar perto da mesa de comida, mas não consigo detecta-los de imediato.  Mamãe deve estar em algum lugar muito próxima a ela, tentando convencer Thomas a comer alguma coisa. E ele deve estar passando mal. Thomas não se sente bem em meio a tantas pessoas. O mal estar de Thomas o torna um tanto claustrofóbico. Minha garganta se fecha ao imaginar sua figura sorumbática com a face suarenta em algum lugar do Saguão. Cada vez mais, minha certeza de que ele não será Selecionado por nenhum dos Clãs cresce. Posso ficar aqui e cuidar de minha família, pelo menos isso pode ser resolvido, se eu conseguir ser o suficiente convincente. Mas como vou poder salvá-lo da Roleta?

Meus olhos ardem por um momento. Parece que nunca vou conseguir resolver todos os problemas nos quais estamos embrulhados. Quando finalmente vou me permitir admitir isso?

INSÍGNIA_ Guerra Das Máquinas IOnde histórias criam vida. Descubra agora