NOVE

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◆◇◆◇◆◇◆◇ 

A escuridão me cospe de volta.

E a sensação é parecida com a de estar sendo regurgitada por uma godzilla gigante.

Meus pulmões parecem dar um nó estranho antes de resolverem funcionar, e a parte mais inteligente de meu cérebro tenta convencer a mais burra que vomitar agora não é uma ideia excelente. Tudo roda, como se uma máquina de lavar estivesse me batendo sem piedade de um lado para o outro. E depois, as sensações se amainam. Motores rujem em algum lugar próximo, mas as ondas sonoras parecem escalar um muro até chegarem a meus ouvidos, se encurvando como em uma difração. No primeiro momento, o mundo está distante, desfocado, insignificante e brutalmente sem sensações... E depois, o sinto em sua totalidade. Minhas pálpebras imediatamente se abrem numa reação espontânea.

E é estranho.

Ainda sou a mesma. Mas pareço sentir meu corpo de um modo que jamais senti antes. O mundo entra em foco novamente como o zoom de uma câmera ajustado. Rápido demais. Perfeito demais.

Meus nervos ópticos despertam de um todo, e a luz branca quase me cega.

E uma parte até então desconhecida e pouco mapeada em meu cérebro parece imediatamente saltar para a ação, como que sendo convocada de imediato. O quarto é branco. Paredes de gesso impecáveis se erguem imponentes à minha volta. Uma pequena janela com venezianas de aço é a única falha na estrutura, fora a porta do mesmo material disposta do outro lado do cômodo. Outra porta menor de um material semelhante se dispõe de meu outro lado. Conto mentalmente. 53 pés até a primeira porta. 23 até a segunda. Uma luminária redonda anexada ao teto verte luz fluorescente sobre meu rosto, e a cama abaixo de mim é alta, um longo colchão macio com fibras padronizadas sustenta meu corpo.

Meu tronco se levanta de um solavanco antes mesmo que eu possa pensar em mandar a informação. Espero a tontura eminente, mas ela não vem. Existe somente a nuvem de informações pairando em minha mente. A holotela brilhante no formato de painel ao lado da primeira porta. As estranhas linhas geométricas na parede da janela. O aspecto opaco do piso lustroso. O botão estranhamente luminoso do interruptor. E a sensação incômoda de alguma coisa no topo de minha espinha.

Algo que não estava ali antes.

Temerosa, tateio a região dolorida, mas não parece haver nada de errado. Meus dedos sobem, para então, encontrarem uma região sensível na base da nuca. Mas a pele está lisa, isenta de irregularidades. E absorvo esta última informação ao máximo no segundo em que puxo a mão para frente novamente, estranhando a falta da cicatriz em meu pulso quando a procuro, uma mania que me acomete nos momentos de nervosismo. Numa inspeção mais cuidadosa, percebo que todas as cicatrizes ao longo de meus braços sumiram. A pele está sedosa, homogênea... Melhorada. Desço os olhos para o lençol branco que me cobre. Nada de roupas por baixo dele. O ergo, verificando a confirmação de minha suspeita: sou, de algum modo, um pacote de braços, pernas e tronco em perfeito estado. Nada de cicatrizes. Nada de imperfeições. Nada de arranhões. Apenas um curto caminho dobrando em direção à perfeição.

Tal como todos os outros Falcons que já conheci.

Tal como Trend.

E é nesse momento que percebo que o nervosismo está rugindo palavrões dentro de mim. Toco meu rosto num gesto inconsciente, sentindo a consistência plaina na ponta dos dedos, a maciez, a suavidade. A perfeição.

O que fizeram comigo?

Me sinto sinto instantaneamente perdida. As cicatrizes faziam parte de Trice Verse. Uma parte inegável de minha identificação. Marcavam em minha memória fatos sobre os quais eu jamais deveria me esquecer.  Elas focavam seus olhos frios em mim toda vez que precisei lembrar. "Você é Trice Verse", "Você é a escória da humanidade", "Você é a maior falha da projeção humana".

INSÍGNIA_ Guerra Das Máquinas IOnde histórias criam vida. Descubra agora