OITO

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◆◇◆◇◆◇◆◇ 

Papai gostava de borboletas.

É o que lembro de minha infância. Papai, um gigantesco céu azul camuflado por uma teia e borboletas.

E um traço verde indistinto. Por alguma razão, o verde estava sempre presente. Manchando, lembrando, rasurando. Ele não vinha de todos os lugares familiares, mas possuía certa peculiaridade. O verde forçava um formigamento estranho por meus membros.

― Vê aquela borboleta ali, Trice?

Papai. Uma mancha indistinta em minhas lacunas. Sobre ele, existe apenas um sorriso. Longo e honesto. Onde confio, onde me opoio. Papai sempre foi o ícone no qual Lissa não quis se apegar. Mas eu me aproveitei de todas as partes que ela ignorou e me prendi a ele por todo o tempo que pude. Com força, desespero.

Medo.

Dobro o pescoço para observar o ponto ao qual papai se refere, não demorando a encontrar a vírgula saltitante e brilhante que dança entre as partículas de ar. Asas batendo numa sincronia perfeita. Liberdade.

― Um borboleta. Uma borboleta verde! ― sorrio maravilhada, sem imaginar que um dia, desconhecerei o sabor desse mesmo riso.

― Borboletas são raridades insubstituíveis. Como os Falcões. Entenda o preceito abstrato das asas, Trice: se você tem, você pode ir à qualquer lugar. Falcons são especiais. Mas as borboletas... Elas são mais.

― Porque borboletas são especiais, papai?

E o verde. Dessa vez, em líquido, vindo em minha direção dentro de um copo plástico. E também há aquele grande sorriso, papai e borboletas. O céu azul engole tudo e não há nada que esteja fora de seu curso.

― Porque elas conseguem voar, querida. Levemente. Não existe meio termo. É uma verdade simples. Mas elas só são especiais enquanto voam, do contrário, são aprisionadas em seu próprio corpo. E o que acontece quando uma borboleta perde as asas, querida?

O verde. O gosto amargo. Mais sorrisos e borboletas. O mundo está bem, mesmo que gire. Sorriso em direção ao traço verde e flamejante que vai desaparecendo nas alturas, sendo levada para longe em companhia do vento. Fogo corre por minhas veias, um redemoinho formigando as paredes de meu estômago. Um furacão se entala em minha garganta. Mas está certo. Tudo está certo. Papai diz que está.

― Ela cai?

― Ela cai. ― ele concorda, copo plástico agora vazio sendo enviado para o lixo e um olhar reconfortante do qual não consigo lembrar me embalsamando ― Cai para sempre. E então, é levada pelos Falcões.

•••

Gosto amargo.

Minha mente dá um salto quando finalmente encontra uma ligação fraca com o restante de meus membros torpes. Existem luzes, o branco infinito e a palpitação estranha aferroando meu coração. É sempre o membro que mais consigo sentir. E ele está vivo demais, discordando do estado sonâmbulo do resto de meu eu. E minha mente cria uma ligação covalente em direção ao músculo desesperado dentro do peito, como que tentando enviar um aviso.

Algo está errado. Algo está errado. Tudo está errado. Nada está certo.

O que isso quer dizer? O mundo não é um erro. O ser humano é um erro. O produto final de uma série de testes nos quais nunca passou. Esse produto errado transformou o mundo e o restante das coisas num amontoado de outros erros em grandes escalas e proporções, desafiando o equilíbrio com toda a sua persuasão errônea. Erro. Erro. Erro.

INSÍGNIA_ Guerra Das Máquinas IOnde histórias criam vida. Descubra agora