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    Uma garotinha e uma lanterna.

A frágil retórica do medo ancestral e a maior arma de todas. Sempre escondida mas muito óbvia. Um traço imutável que não desvanece mesmo com as sombras. Escuro. Lama. Sangue. E o medo. O medo natural da presa que foi pisoteada pelo predador até gritar a última nota de desespero mesclada a sangue. Cabelos ruivos escorrendo por um lado do rosto com requisicios do material viscoso pingando pelo chão de terra batida. Trice Verse. Soberana das facções de falhas humanas. Se arrastando para casa depois da primeira prisão, rastejando como um animal que sempre reconheceu sua posição lamentável na grande cadeia alimentar.

Nada de sombras ao seu redor. Apenas a incidência intermitente de uma grande teia brilhante se esticando nos céus. O único fiapo de esperança tecendo um motor guia pelo caminho pedregoso e rodeado de escombros. O clã Gândara, sempre resumido em uma grande bagunça sem muito sentido. Dentro e fora. O medo se alimentando cada vez mais no núcleo da desordem, se tornando um monstro bem alimentado. Um monstro que sempre voltaria para reivindicar sua cota diária. E que não voltaria feliz com migalhas. Mas Trice estava acostumada a lhe conceder banquetes e grandes recitais como bônus. Negar-lhe o devido alimento nunca foi uma especialidade da casa.

E quando despenca à frente da porta de madeira, nervos em colapso e a altitude do limite humano subindo num nível incontrolável, a porta da casa familiar se abrindo e um feixe de luz vertendo sobre os olhos inchados. Do choro desesperado e recente. Do sangue. Da punição. Do medo.

A lanterna.

Em seguida, dois olhos terrosos e preocupados. Mamãe. Este é o momento específico em que minha mente descansa em paz... Que sabe que o restante vai ficar bem. Simples assim. E é possível respirar novamente e fechar os olhos.

Foi a primeira vez que me perdi na escuridão como um rato encharcado e apavorado. Depois dessa noite, a cena se repetiu por vezes incontáveis. Mas agora, voltei a rastejar no escuro, carregando sobre os ombros o peso inegável do pavor do desconhecido. Mas dessa vez, não há uma porta na qual despencar. Nem uma lanterna para me tragar do escuro. Muito menos aqueles olhos familiares nos quais eu poderia depositar todas as esperanças

Existe apenas Trice Verse.

E nada de esperança.

• • •

    Sei que o inverno se instalou em mim e me congelou de dentro para fora. Porque já fazem muitos minutos que me encontro caída sobre essa parede fria. Olhos vidrados que encaram o vazio. Estou aqui, em mim... Mas de alguma forma, ainda estou . Sempre vou estar com mamãe e Thomas, independente do quanto eu tente me desvincular. Sempre vou ter em mente a ideia terrível do corpo sorumbático de meu irmão sendo arrastado pelas ruas do clã por certo cadete que deve estar muito furioso com a minha saída dos Gândara. Sempre vou ouvir gritos que nunca estiveram lá. Porque eu sei. Tenho tudo minuciosamente gravado na memória. O que é uma tortura aina pior do que a qual passei toda minha vida.

Thomas não... Por favor.

Pior do que ser torturada diariamente é saber que uma das pessoas que você mais ama pode estar sendo torturada diariamente.

O pensamento ativa a manivela com um estalido alto, e imediatamente me põe em pé. Tentar. Por eles. Sempre por eles. Tentar. De novo e de novo. E mais uma vez. Quantas malditas vezes forem precisas. E um dia...

Sim Trice... "Um dia...", atenha-se a isso como se o inferno estivesse te engolindo!

Me movo para a porta, percebendo que a lucidez exagerada está desvanecendo aos poucos. Ainda sinto uma plenitude absoluta sobre minhas reações corporais... Porém... Menos intenso. Como uma gota de água sendo absorvida pelo papel. O papel continua úmido, mas a gota... Se contraiu. Meneio a cabeça. Não gosto da forma com que minha cabeça vem se comportando. Não gosto mesmo. Mas algo sobre me sentir meio normal novamente me reconforta, como se alguém, em algum lugar, tivesse pela consciência disso. Mas não posso deixar Susanna à par disso. Não agora.

INSÍGNIA_ Guerra Das Máquinas IOnde histórias criam vida. Descubra agora