Siv pintava. Numa sala ampla e trancada. Repleta de vidraças, com as cortinas sempre fechadas, dezenas e dezenas de quadros estavam em cavaletes espalhados pelo salão. A Imperatriz não permitia que ninguém entrasse. Apenas poucas empregadas para limpeza eram autorizadas, periodicamente, e nesses momentos os quadros estavam sempre cobertos por pano negros.
Pintar ajudava ela a extravasar um pouco da escuridão que a preenchia. Pelo menos um pouco. Agora, sozinha ali, todos os quadros estavam expostos. Alguns eram telas de borrões enigmáticos e obscuros... soavam como puro tormento. Eram de quando a dor, o desespero ou o medo a consumiam. Outros eram quadros detalhados e belíssimos... Mas seja no da mulher de costas para a menina, ou no de duas mãos unidas, o mesmo sentimento ressoava.... Tristeza. Melancolia. Em todos os quadros senti-se uma atmosfera triste.
Um rosto em especial estava em muitas pinturas. Às vezes um garoto, outras um rapaz ou mesmo um homem. Longos cabelos escuros como a noite e um olhar ardente. Olhos de fogo. Era bonito como um deus.
Siv admirou o homem nas pinturas. Tocou seu rosto com um olhar vago. Depois virou-se e pegou os pincéis, parando em frente a um cavalete com um quadro em branco. Sua mãe estava em sua mente naquele momento. Os sonhos sobre o passado tinham voltado. Os remédios para dormir já não estavam tendo tanto efeito...
Ela se sentia temerosa... precisava apaziguar sua mente. Se olhasse para aquelas sombras dentro de si, tinha medo de não conseguir controlar o vazio que sentia. E ela precisava controlar. Não tinha o luxo de poder se desestabilizar, ela era a imperatriz. Siv fechou os olhos e respirou fundo. Se sentia tão cansada. Como se vivesse a centenas de anos, enquanto na verdade ela só tinha dezenove.
Mas tudo bem. Aquele era seu fardo, seu destino. Ela era a imperatriz. Tinha de lidar com sua vida, mesmo que parecesse uma vida distorcida. Ela lidaria com isso. E, se não pudesse lidar, trancava todos esses sentimentos profundamente dentro de si. Silenciosamente. Sufocava-os até fingir que não existia nada ali. E, em momentos como aquele, em que essas sombras espreitavam para fora de si, ela pintava. Pintava até acalmar sua alma. Até silenciar aqueles sentimentos. Ela era a imperatriz. É isso que dizia a si mesma quando temia perder para as sombras.
Desempenharia seu papel. Desempenharia com maestria, como tinha calculado todos aqueles anos. Quando o futuro viesse e ela tivesse que enfrentar seu maior medo, teria coragem e seria fiel a sua escolha. Protegeria Seor. Protegeria as pessoas sob sua liderança. Faria o que tivesse em seu alcance para isso. E depois, tudo estaria bem. Abriu os olhos e levantou o pincel.
Mais tarde, em seu escritório, foi incomodada por seus atendentes. Vinham o tempo todo falar sobre as farpas trocadas entre os empregados do harém. Parecia que seus concubinos estavam em uma disputa interna. Mas tudo ainda estava por baixos dos panos, uma vez que os dois não haviam se enfrentado diretamente. Com um sorriso gentil e acolhedor, Siv agradeceu as informações, mas orientou que lhe contassem somente se situações mais graves acontecessem.
O que aconteceu dois dias depois. Com pressa, Siv saiu de seu escritório e correu para o harém, ao ouvir que os dois concubinos estavam brigando com espadas desembainhadas. Ao que Siv conhecia dos dois, achava que Edan não se envolveria em algo assim. Ele era frio demais para perder sua compostura. Enquanto Kaz era mais temperamental, mas, se eles estavam mesmo brigando ela temia o que poderia acontecer. Ela parecia aflita aos olhos dos demais, e estava. Ela precisava dos concubinos.
Não que Siv não se importasse com eles. Ou que só se importasse porque precisava deles. Ela gostava de ambos. Apreciava sua companhia e personalidade. Mas o coração dela não tinha mais a habilidade de amar. Ignorando esse fato, Siv ainda queria ter uma boa relação com eles.
Kaz, mesmo que imaturo, era espirituoso e doce. Edan poderia ser arrogante mas era honrado e leal. Os dois eram bons homens e isso era uma dádiva a Siv. Porque mesmo que não fossem ela ainda precisaria do filho do Duque Truett tanto quanto precisava de um plebeu que o povo admirava, como concubinos. Fora isso, eles viviam juntos. Então se dar bem era o mínimo para que o harém desempenhasse o papel que ela precisava. Siv não poderia se dar ao luxo de ser traída.
Chegando ao harém, os servos pareciam agitados e inquietos. Quando a imperatriz finalmente chegou ao gramado onde os dois, montados em cavalos, lutavam ferozmente com espadas. Parou com o rosto pálido. Edan tinha um corte médio no braço enquanto Kaz estava com um pequeno abaixo do olho. O que, diabos, eles pensavam que estavam fazendo?! Apesar da raiva que borbulhou no interior dela, Siv com a voz sóbria e o rosto impassível, ordenou a seus cavalheiros que os parassem.
Como a Imperatriz havia claramente dito com os olhos para não machuca-los, seus guardas tiveram certa dificuldade em pará-los. Apesar de seus esforços interferindo na batalha feroz, eles ainda continuaram.
- Parem! - Siv disse o mais alto que pôde.
Sua voz transbordava autoridade. E mesmo com o barulho alto das espadas se chocando, os dois puderam ouvir. Com certa hesitação param. Para ver uma expressão que nunca tinham visto a Imperatriz fazer. Seu rosto estava obscuro. Os olhos sempre gentis pareciam tomados por aversão.
Kaz abriu levemente a boca surpreso, irritado consigo mesmo e um pouco temeroso. Edan ergueu as sobrancelhas, parecia um pouco chocado com o que via.
Siv suspirou, tocando a testa, parecendo abatida. Ela não foi cuidadosa desta vez. Mas, seu humor estava muito ruim para lidar com aquilo de forma mansa.
- Por que estão brigando? Peguem as espadas deles. - ordenou aos cavalheiros, que rapidamente cumpriram.
- Respondam - se aproximou deles com o cenho franzido - Edan. Kaz.
- N-Nós não estávamos brigando... apenas resolvendo uma pendência. - Kaz disse enquanto Edan permaneceu em silêncio.
- Eu sempre tratei vocês dois com o maior cuidado, mas hoje me fizeram assistir a uma cena que me deixou realmente irritada. - ela disse com tom neutro.
Os dois fizeram completo silêncio ao ouvir seu tom. Ao ver deles ela parecia realmente desgostosa com a situação. Qualquer que fosse a reação que eles esperassem, certamente não era aquela. Não aquele rosto impassível e voz indiferente. O que deixou-os uma impressão profunda. Ela era sempre gentil, sorria em qualquer situação...
- Estas são suas verdadeiras cores, Siv? - Edan perguntou imperturbavelmente, como se não estivesse ofegante, suado nem com sangue escorrendo por sua roupa.
- O que? - um alerta interno soou na cabeça de Siv, mas ela não demonstrou isso, apenas deu um sorriso fraco - Queria que eu estivesse feliz em vê-los quase tirando a vida um do outro?
Os olhos dela refletiam preocupação agora, mas a raiva ainda estava ali.
- Não se preocupe atoa, não ia matá-lo. Apenas machucá-lo ao ponto que se tornasse inútil a você. Então você poderia jogá-lo fora.
- Edan - a imperatriz disse em tom de aviso.
Kaz riu.
- Você jamais seria capaz de conseguir! Só conseguiu esta porcaria - apontou para o corte no rosto - Porque fui admirável o bastante em fazer a boa ação em lutar com você montado. Diziam que você era um excelente condutor, te dei essa vantagem apenas para não acabar matando-o se lutássemos no chão. Mas, pelo que vi exageram muito em sua habilidade - Kaz riu amargamente - Foi inútil no fim. Você não passa de lixo! Se eu não tivesse me segurado...
Edan arqueou a sobrancelha, os olhos ainda frios, se preparando para retrucar. Mas neste momento atendentes chegaram correndo e gritando, chamando pela Imperatriz. Por um lado Siv se sentiu aliviada com a interrupção porque a pouparia da discussão entre eles, mas por outro, ela se sentiu ainda mais cansada. O que era agora? Ela estava com enxaqueca e não tinha dormido quase nada nos últimos dias...
- O que houve? - virou-se para os recém-chegados e perguntou.
- O terceiro concubino chegou ao palácio! - um dos atendentes comunicou alto, se reportando a Imperatriz.
Kaz e Edan, que estavam ocupados fuzilando um ao outro com o olhar, viraram-se automaticamente ao ouvir isso.
Boa noite
Espero que gostem...
Fiquem bem 🥰
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Harém Imperial - Os Concubinos da Imperatriz
FantasíaSiv é a terceira imperatriz do Império Seor. Houveram muitas outras imperatrizes consortes antes, apenas sorrindo ao lado do imperador, mas ela é a terceira que realmente manda no império, sem ficar a sombra de nenhum homem. Apesar do matriarcado te...