Estácio dirigiu-se ao portão. Abriu-o; um moço que ali estava entrou
precipitadamente. Era Mendonça. Os dois mancebos lançaram-se nos
braços um do outro. Helena, a alguma distância, presenciou aquela
efusão, e não lhe foi difícil adivinhar quem era o recém-chegado.A efusão cessou, ou antes interrompeu-se, para repetir-se. Quando os
dois rapazes se julgaram assaz abraçados, tomaram o caminho da
casa. Helena, que estava um pouco adiante deles, foi apresentada a
Mendonça. Ao ouvir que era irmã de Estácio, Mendonça ficou
espantado. Cortejou cerimoniosamente a moça, e os dois seguiram até
à casa, onde pouco depois entrou Helena.Mendonça era da mesma estatura que Estácio, um pouco mais cheio,
ombros largos, fisionomia risonha e franca, natureza móbil e
expansiva. Vestia com o maior apuro, como verdadeiro parisiense que
era, arrancado de fresco ao grand boulevard, ao café Tortoni e às
récitas do Vaudeville. A mão larga e forte calçava fina luva cor de
palha, e sobre o cabelo, penteado a capricho, pousava um chapéu de
fábrica recente.Estácio, antes de entrar, explicou ao amigo a situação de Helena, cujas
qualidades e educação louvou, com o fim de lhe fazer compreender o
respeito e a afeição que ela de todos merecia. Helena adivinhou esse
trabalho preparatório do irmão, logo que entrou na sala.Mendonça divertiu a família uma parte da noite, contando os melhores
episódios da viagem. Era narrador agradável, fluente e pinturesco,
dotado de grande memória e certa força de observação. Espírito
galhofeiro, achava facilmente o lado cômico das coisas e mais se
comprazia em dizer os acidentes de um jantar de hotel ou de uma
noite de teatro que em descrever as belezas da Suíça ou os destroços
de Roma.A visita durou pouco mais de hora. Estácio quis acompanhá-lo até à
cidade; ele não consentiu que fosse além do portão. Atravessando a
chácara, falaram do passado, e um pouco do futuro, a trechos soltos,
como o lugar e a ocasião lhes permitiam. Mendonça, vendo que Estácio
não tocava em um ponto essencial, foi o primeiro que o aventou.— Falaste-me em uma de tuas cartas de certa Eugênia...
— A filha do Camargo.
— Justo. Negócio roto?
— Quase terminado.
— Terminado... na igreja, suponho?
— Tal qual.
— Quando?
— Brevemente.
— Marido, enfim! Era só o que te faltava. Nasceste com a bossa
conjugal, como eu com a bossa viajante, e não sei qual de nós terá
razão.— Talvez ambos.
— Creio que sim. Tudo depende do gosto de cada um. O casamento é
a pior ou a melhor coisa do mundo; pura questão de temperamento.
Eu vi algumas vezes essa moça; era então muito menina. Não te
pergunto se é um anjo...— É um anjo.
— Como todas as noivas. Feliz Estácio! Segues a carreira de tua
vocação, enquanto eu...— Tu?
— Interrompo a minha, e talvez para sempre. Preciso cuidar da vida;
não sou capitalista, nem meu pai tampouco. Adeus, viagens!— Tanto melhor! Arranjo-te noiva. Não é a tua vocação, mas não serás
o primeiro que a erre, sem que daí venha mal ao mundo.— Pois arranja lá isso... Em todo caso não será tua irmã.
— Oh! não, disse vivamente Estácio.
— Na verdade, é bonita; mas... se permites a franqueza de outrora,
acho-lhe uma costela de desdém...
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Machado de Assis - Helena
Storie d'amoreHelena é um romance de Machado de Assis. Foi publicado em 1876. Aqui pouco temos da sutileza psicológica dos dois primeiros romances, verdadeiros estudos de mulheres, ou da sutileza filosófica dos romances da fase madura de Machado. ESSA OBRA NÃO É...