CAPÍTULO X

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Estácio dirigiu-se ao portão. Abriu-o; um moço que ali estava entrou
precipitadamente. Era Mendonça. Os dois mancebos lançaram-se nos
braços um do outro. Helena, a alguma distância, presenciou aquela
efusão, e não lhe foi difícil adivinhar quem era o recém-chegado.

A efusão cessou, ou antes interrompeu-se, para repetir-se. Quando os
dois rapazes se julgaram assaz abraçados, tomaram o caminho da
casa. Helena, que estava um pouco adiante deles, foi apresentada a
Mendonça. Ao ouvir que era irmã de Estácio, Mendonça ficou
espantado. Cortejou cerimoniosamente a moça, e os dois seguiram até
à casa, onde pouco depois entrou Helena.

Mendonça era da mesma estatura que Estácio, um pouco mais cheio,
ombros largos, fisionomia risonha e franca, natureza móbil e
expansiva. Vestia com o maior apuro, como verdadeiro parisiense que
era, arrancado de fresco ao grand boulevard, ao café Tortoni e às
récitas do Vaudeville. A mão larga e forte calçava fina luva cor de
palha, e sobre o cabelo, penteado a capricho, pousava um chapéu de
fábrica recente.

Estácio, antes de entrar, explicou ao amigo a situação de Helena, cujas
qualidades e educação louvou, com o fim de lhe fazer compreender o
respeito e a afeição que ela de todos merecia. Helena adivinhou esse
trabalho preparatório do irmão, logo que entrou na sala.

Mendonça divertiu a família uma parte da noite, contando os melhores
episódios da viagem. Era narrador agradável, fluente e pinturesco,
dotado de grande memória e certa força de observação. Espírito
galhofeiro, achava facilmente o lado cômico das coisas e mais se
comprazia em dizer os acidentes de um jantar de hotel ou de uma
noite de teatro que em descrever as belezas da Suíça ou os destroços
de Roma.

A visita durou pouco mais de hora. Estácio quis acompanhá-lo até à
cidade; ele não consentiu que fosse além do portão. Atravessando a
chácara, falaram do passado, e um pouco do futuro, a trechos soltos,
como o lugar e a ocasião lhes permitiam. Mendonça, vendo que Estácio
não tocava em um ponto essencial, foi o primeiro que o aventou.

— Falaste-me em uma de tuas cartas de certa Eugênia...

— A filha do Camargo.

— Justo. Negócio roto?

— Quase terminado.

— Terminado... na igreja, suponho?

— Tal qual.

— Quando?

— Brevemente.

— Marido, enfim! Era só o que te faltava. Nasceste com a bossa
conjugal, como eu com a bossa viajante, e não sei qual de nós terá
razão.

— Talvez ambos.

— Creio que sim. Tudo depende do gosto de cada um. O casamento é
a pior ou a melhor coisa do mundo; pura questão de temperamento.
Eu vi algumas vezes essa moça; era então muito menina. Não te
pergunto se é um anjo...

— É um anjo.

— Como todas as noivas. Feliz Estácio! Segues a carreira de tua
vocação, enquanto eu...

— Tu?

— Interrompo a minha, e talvez para sempre. Preciso cuidar da vida;
não sou capitalista, nem meu pai tampouco. Adeus, viagens!

— Tanto melhor! Arranjo-te noiva. Não é a tua vocação, mas não serás
o primeiro que a erre, sem que daí venha mal ao mundo.

— Pois arranja lá isso... Em todo caso não será tua irmã.

— Oh! não, disse vivamente Estácio.

— Na verdade, é bonita; mas... se permites a franqueza de outrora,
acho-lhe uma costela de desdém...

Machado de Assis - HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora