— Helena, disse Estácio no dia seguinte, logo que pôde falar a sós à
irmã, — sabes por que vim mais depressa? Foi por tua causa. O
Mendonça escreveu-me dizendo haver alcançado de ti uma promessa
de casamento.— É verdade.
— É verdade?
— Até ao ponto em que a minha vontade tem um limite, que é a sua.
Por mim só nada posso decidir; mas não creio que você se oponha de
nenhum modo. Não é certo que deseja a minha felicidade?Estavam sentados em um banco de pau, defronte do grande tanque.
Estácio ficou algum tempo a olhar para a água.— Não entendo, disse ele enfim.
— Por quê?
— Mais de uma vez me confessaste não sei que paixão violenta, paixão
que parecia conter a tua vida toda. Que, sem embargo de um amor
único e forte, uma mulher despose um homem que não é o preferido
de seu coração, é caso não vulgar e muita vez justificável. Mas que
este casamento seja para ela felicidade, confesso que não o poderei
entender nunca.— Recusa então o seu consentimento?
— Não recuso; desejo compreender.
— Nada mais simples, retorquiu a moça.
— Ah!
— Falei-lhe de um amor forte, é certo, não extinto naquele tempo,
mas totalmente sem esperança. Que moça não tem dessas fantasias,
uma vez ao menos? A fantasia passou. Ou eu não devo casar nunca,
ou posso desposar um homem digno, que me ame. Não casar foi
algum tempo o meu desejo; não o é hoje, desde que você, titia e o
Padre Melchior ambicionam ver-me casada e feliz. Para obter a
felicidade, além do casamento, escolhi pessoa que me parece capaz de
dar a paz doméstica e os melhores afetos de seu coração.— De maneira que te sacrificas a um desejo nosso?
— Quando fosse sacrifício, fá-lo-ia de boa cara; mas não é.
— Não se trata de um sacrifício repugnante e odioso; entretanto,
cumpre examinar o que perdes. Dizes que a fantasia passou; não creio, Helena, não creio que ela passasse. Tu amas decerto; amas
violentamente alguém; amas sem esperança nem futuro; isto é, levas
para casa do teu marido um coração que te não pertence, um
sentimento intruso e inimigo...Helena quis interrompê-lo.
— Ouve, continuou Estácio. Esse sentimento, se vier a extinguir-se e
se for substituído pela afeição que criares a teu marido, não te fará
desventurosa; mas supõe que não morre esse amor, qual será a tua
situação?— Tudo isso é um castelo no ar, disse Helena sorrindo; eu amei, não
amo; ou amo somente a meu futuro marido.Estácio abanou a cabeça com ar de incredulidade. Seus olhos
pousaram no rosto plácido da irmã, como tentando arrancar-lhe uma
confissão silenciosa. Os dela, firmes e tranqüilos, cruzavam o olhar
com os dele. Estácio conhecia já o domínio que a moça exercia sobre si
mesma; a tranqüilidade não o convenceu. Assim pensava, assim o
disse, sem rebuço.— Por que razão negaria eu a verdade? retorquiu Helena.
Estácio ergueu os ombros.
— Supondo que você tenha razão, tornou ela, não deverei casar
nunca?— Não digo isso; mas, há dois caminhos para a felicidade, além de
Mendonça.— Não os vejo.
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Machado de Assis - Helena
RomantiekHelena é um romance de Machado de Assis. Foi publicado em 1876. Aqui pouco temos da sutileza psicológica dos dois primeiros romances, verdadeiros estudos de mulheres, ou da sutileza filosófica dos romances da fase madura de Machado. ESSA OBRA NÃO É...