CAPÍTULO XIII

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Dissolvida a reunião, Helena recolheu-se à pressa com o pretexto de
que estava a cair de sono, mas realmente para dar à natureza o
tributo de suas lágrimas. O desespero comprimido tumultuava no
coração, prestes a irromper. Helena entrou no quarto, fechou a porta,
soltou um grito e lançou-se de golpe à cama, a chorar e a soluçar.

A beleza dolorida é dos mais patéticos espetáculos que a natureza e a
fortuna podem oferecer à contemplação do homem. Helena torcia-se
no leito como se todos os ventos do infortúnio se houvessem
desencadeado sobre ela. Em vão tentava abafar os soluços, cravando
os dentes no travesseiro. Gemia, entrecortava o pranto com
exclamações soltas, enrolava no pescoço os cabelos deslaçados pela
violência da aflição, buscando na morte o mais pronto dos remédios.
Colérica, rompeu com as mãos o corpinho do vestido; e o jovem seio,
livre de sua casta prisão, pôde à larga desafogar-se dos suspiros que o
enchiam. Chorou muito; chorou todas as lágrimas poupadas durante
aqueles meses plácidos e felizes, leite da alma com que fez calar a
pouco e pouco os vagidos de sua dor.

Calar somente, não adormecê-la, porque ela aí lhe ficou, companheira
daquela noite cruel, para velarem ambas. Quando os olhos cansaram,
e foram mais intervalados os soluços, Helena jazeu imóvel no leito,
com o rosto sobre o travesseiro, fugindo com a vista à realidade
exterior. Uma hora esteve assim, muda, prostrada, quase morta, uma
hora longa, longa, longa, como só as tem o relógio da aflição e da
esperança.

Quando a tormenta pareceu extinta, a moça sentou-se na cama e
olhou vagamente em torno de si. Depois ergueu-se; dirigiu-se trôpega
ao quarto de vestir; ali parou diante do espelho, mas fugiu logo, como
se lhe pesasse encarar consigo mesma. Uma das janelas estava
aberta. Helena foi ali aspirar um pouco do ar da noite. Esta era clara,
tranqüila e quente. As estrelas tinham uma cintilação viva que as fazia
parecer alegres. Helena enfiou um olhar por entre elas como
procurando o caminho da felicidade. Esteve à janela cerca de meia
hora; depois entrou, sentou-se e escreveu uma carta.

A carta era longa, escrita a golfadas, sem nexo nem ordem; continha
muitas queixas e imprecações, ternura expansiva de mistura com um
desespero profundo; falava daqueles que, tendo nascido sob a
influência de má estrela, só tem felicidades intermitentes e mutáveis;
dizia que para ela a própria felicidade era um gérmen de morte e
dissolução, — idéia que repetia três vezes, como se tal observação
fosse o transunto de suas experiências certas. A carta falava também
de um homem, cujo egoísmo de pai não conhecia limites, e que a todo
o transe queria que a filha desposasse uma grande riqueza e uma
grande posição, — "homem, dizia ela, que me viu a princípio com
olhos avessos, pela diminuição que eu trazia à herança". No fim dizia
que havia naquelas linhas muito de obscuro e incompleto, que
oportunamente contaria tudo, mas que desde já podia dar a triste
notícia de que lhe era forçoso abster-se de sair.

Helena releu o escrito e meditou longo tempo sobre ele; acrescentou
ainda algumas linhas; depois, rasgou o papel em dois pedaços,
chegou-os à vela, e os destruiu. Como arrependida, voltou a escrever
outra carta, mas não chegou a acabar seis linhas; rasgou-a como
fizera à primeira, e só então recorreu ao remédio melhor de uma alma
ulcerada e pia: rezou. A prece é a escada misteriosa de Jacó: por ela
sobem os pensamentos ao céu; por ela descem as divinas consolações.

Entretanto, a noite começava a inclinar a urna das horas às mãos da
madrugada. O sono fugira dos olhos de Helena; mas era forçoso
repousar. Assim mesmo vestida, atirou-se sobre o leito. Não dormiu,
não se pode dizer que dormisse; ficou ali num estado que não era
vigília nem sono, até que a manhã rompeu inteiramente. Abrindo os
olhos, pareceu acordar de um sonho; a imaginação recompôs as fases
todas do acontecimento da véspera. Depois suspirou, e ficou longo
tempo a olhar para o chão, com a fixidez trágica e solene da morte.

Machado de Assis - HelenaOnde histórias criam vida. Descubra agora