Capítulo especial

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POV. Rafa

Senti que Ana estava viva antes mesmo de escutar o chamado das sombras.
Mesmo depois de 200 anos eu não fui capaz de esquecer a sensação daquela energia doce e sombria que acompanhou a mensagem deixada pela penumbra que circundou o casebre onde me hospedei a uns dias.

Com todos os ataques provocativos que Hybern tem feito a pequenos vilarejos de Prytian, haviam cada vez mais pessoas desamparadas e desesperadas por ajuda. Famílias desfeitas, mulheres estupradas, e lugares em ruínas. Além de coisas que só a guerra é capaz de fazer.

Visitei todos esses lugares.
E apesar da discrição que aprendi a manter em minha vida, cacei e matei todo maldito Hyberniano que ousou fazer mal às mulheres que vi sofrendo. E por mérito meu, e também porque sei que alguns detalhes são importantes em um relato, não posso deixar de dizer que
~ Alguns morreram bem lentamente. ~

Enfim..
Depois de ter visto com meus próprios olhos todas as outras Vaquírias, minhas irmãs, morrerem em combate, passei os anos que se seguiram viajando de cidade em cidade, conhecendo e ajudando pessoas.
No fundo, uma tentativa frustrada de talvez encontrar um lugar que eu pudesse chamar de lar. E então quem sabe poder me sentir uma delas novamente. Ao menos mais uma vez.

Assim, após ouvir a mensagem daquela sombra, que tive a leve impressão de ter debochado e se divertido às minhas custas nos dois minutos que levei pra processar a informação, abri minhas asas e não exitei em saltar para o céu e voar para encontrar minha amiga.
Ana, sua vadia, não acredito que você está viva.

.............................

Já estava voando a tempos quando senti meu corpo atravessar a barreira da corte noturna. Pelo caldeirão, como pude me esquecer da beleza desse lugar?

Meu coração disparou quando avistei a Casa dos Ventos ao longe. Depois de tantos anos, ela continuava da mesma forma: linda e imponente.
Após ouvir a voz doce e aveludada de uma mulher, pousei no telhado da Casa a tempo de ouvir Ana dizer:

- Tem gente que gosta de fazer uma entrada. - Quanto tempo, Rafa. -
Achei que nunca mais escutaria essa voz novamente. Minha melhor amiga.

A adrenalina no meu sangue era imensurável quando encarei aqueles olhos violetas e corri para abraçar a mulher a minha frente. Um abraço capaz de reparar dois séculos de ausência e saudade.

- Eu deveria chutar a sua cara - falei com os braços ainda ao seu redor - 200 anos? Sério?

-Tenho muito pra te contar - Tem mesmo. - mas te chamei para cobrar uma antiga promessa, você disse que quando eu quisesse que você me treinasse era só chamar. Bom, eu chamei.

Eu aceitaria qualquer coisa só para estar ao lado da minha amiga de novo.

- Promessa é dívida - falei sorrindo. Um sorriso que eu não dava a séculos - Não vai me apresentar a plateia que reuniu?

Assim que me recuperei do surto que tive, ainda segurando firme o braço de Ana para ter certeza de que ela ainda estava viva e ao meu lado, olhei para as pessoas a minha volta e meu coração disparou mais uma vez. Agora muito mais rápido do que antes.

Uma mulher loira, alta e de couro illyriano preto me encarava fixamente. Algo dentro de mim se revirou e foi como se seus olhos castanhos pudessem ler a minha alma. Por algum motivo, eu deixei que ela a lesse. Senti cada parte do meu corpo alerta.
Era a mulher mais linda que eu já vira na vida.

Um aperto no peito me fez ter a necessidade de sentir mais de seu perfume. Amadeirado com um leve toque doce. Já o havia sentido antes, era o cheiro que a brisa sempre me trazia em momentos de apuro, único capaz de me acalmar.

E naquele momento, eu tive a certeza de que, sim, eu estava ferrada.

A voz da Ana soou ao fundo e, assim que me virei para encarar minha amiga, como se em um vaco negro, ela sumiu do campo de treinamento.

Corte de Sangue e Sol (Finalizada)Onde histórias criam vida. Descubra agora