Completamente Pandora Del Monaco

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Bryan Cooper:

São nove passos até às grades. Eu poderia me levantar. Arrastar meu corpo até lá. Mas meus sentidos estão lentos, e as chances de cair no percurso são altas demais para correr o risco. Procuro por um apoio, mas não há nada além de uma cama com cobertas bagunçadas. Odeio que ela tenha que me ver dessa maneira. Mas já é tarde demais para lamentar por isso. Eu capto o olhar pesado; sempre gentis, mas num tom fúnebre. Seu desapontamento vem como uma chuva sobre nós, e preciso respirar fundo para resistir a tentação de ignorá-la. Num devaneio, como se fosse só mais uma das visões causadas pelos medicamentos.

- Você pode vir aqui. - Diz ela. Tão segura. - Por favor, diga alguma coisa. - Me suplica. Aperto as mãos nos lençóis quase inconscientemente, até os nós dos meus dedos se tornarem brancos. Ainda há marcas de sangue aqui, agora escuras e menos apavorantes. Ninguém se disponibilizou a trocá-los. Nunca vou pedir uma coisa dessas. Faz dias desde que tiraram os móveis. - Está me ouvindo? - Insiste. Estou, mas não tenho certeza se quero respondê-la. ao contrário disso, aproveito para tirar o cabelo úmido de suor dos olhos. Tive pesadelos durante a noite. Com ela. De novo.
Ela parece estar desistindo. Me encarando com mais intensidade, assisto-a se segurar nas grades enquanto o corpo despenca sob os joelhos cedidos. Sua saia se ergue, como se soubesse que não foi feita para esse tipo de situação. O som do choro se mistura com soluços; alto o bastante para encher o corredor do hospital psiquiátrico. Não demorará para que alguém a repreenda. Não pode haver barulhos aqui. Me acostumei diariamente com o silêncio.
- Não faça isso comigo... Preciso de você bem... Eu preciso...
Quero ir até lá. Apascentar sua cabeça e sussurrar tudo o que está correndo em minha mente. Irá ficar tudo bem, as coisas vão se acertar um dia. Mas não posso descer. O que pensaria se eu chegasse tão perto? O que restaria de nós? Se é que ainda temos algo para sobrar. Seu pedido não deve passar de condolências que devem estar a matando. A culpa que nos mastiga todos os dias desde que tudo aconteceu. Eu sei. Prefiro mesmo o silêncio; o barulho começa a me ansiar. As vozes parecem crescer, me irritando. Quero que saia agora.
- Você precisa sair daqui senho... - Um dos homens de branco chega. Me arrasto até o final da cama. Ela balança o braço furiosamente quando ele a segura, se livrando do contato.
- Me deixe em paz! - Grita. - Eu vou tirá-lo daqui! - Num segundo sua postura anterior triunfa, marchando para longe. Convicta de suas próprias ilusões. Puxo os lençóis até cobrirem minhas pernas, e espero o homem de branco ir embora. Sem titubear no olhar. Silêncio.
Não posso culpá-la, sou a única família que restou para minha tia desde que minha mãe se foi. Mas não deixa de ser amarga todo esse contexto, o processo lento de entender que estou preso aqui, e até poderia ser pior se não fosse alguém ainda me enxergar como digno de redenção algum dia.

Maxon chega logo após ela, é por isso que o enfermeiro a tirou daqui. Diferente dela, ele parece tranquilo, quase que familiarizado com o costume de vir aqui todas as tardes no horário de visita. Já faz duas semanas, e ainda agora não deixo de ficar surpreso com sua aparição. Ainda mais quando sei, que é só por sua causa que estou aqui, ao invés de ser abandonado em alguma prisão suja.

- A enfermeira me disse que eu podia trazer - Ele diz, erguendo um saco de batatas fritas que costumávamos comer antes de um treino. Sorrio, mesmo não sendo capaz de me mexer. Max deixa elas entre as grades, e a facilidade com que finge que não pareço um animal preso em uma gaiola quase me faz esquecer disso também. Meus ombros suavizam a tensão anterior, eu suspiro. Os medicamentos têm clareado um pouco minha mente, dia após dia, e a gratidão por ainda ter Maxon ao meu lado se expande com mais objeção do que antes.

- Fiquei com o antigo carro da família, vou conseguir vir todos os finais de semana mesmo depois que a faculdade começar. - Comenta, se sentando no chão e comendo a sua parte das batatas - Logo você não vai precisar ficar tão trancado aqui, podemos até dar uma volta no pátio, jogar uma bola ali. Vem comer, elas ficam nojentas se amolecem. - Resmunga.
Maxon permanece pelos próximos trinta minutos, o limite para esse início de tratamento. Mesmo não conversando com ele, ouvi seus monólogos com atenção. A maneira persistente de me lembrar que há um mundo lá fora, e que não deixo de fazer parte dele. Nós dois sabemos que essas foram as minhas escolhas, e que devo arcar com cada uma delas. Quando ele se vai, espero do fundo do meu coração que ele ainda esteja me esperando no final dessa end-zone, mesmo que eu nunca mais me sinta digno disso.

Como Não Se Apaixonar Por Um QuarterbackOnde histórias criam vida. Descubra agora