Sempre Quarterback

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O treino de condicionamento durou pouco mais de meia hora. Apesar de ter quase certeza que o tornozelo voltou a inchar devido a energia gasta, Pandora fez o máximo de esforço para seu semblante não demonstrar isto. Esperou sentada, numa área com sombra os colegas se afastarem até o vestiário para poder se erguer e mancar sem pressa. O início da semana sempre era calmo, mesmo nas fases finais do campeonato. O que constituía de segundas-feiras com exercícios monótonos e gamefilm, onde todos estudavam juntos os pontos fortes e fracos dos próximos oponentes. Que na verdade era o maior saco; e quase sempre Pandora disputava algum jogo de papel com Max ou tirava sonecas no ombro de Bryan.

Trilhou o caminho até o vestiário devagar. Cuidando para não encostar com força a perna machucada no chão; mesmo sendo tarde demais. Tinha que desistir de tentar voltar aos treinos e descansar de verdade. Ou ficaria fora da final; e isso seria a pior derrota de todas.

O cheiro de desodorante masculino quase a intoxicou. Nunca iria se acostumar com aquilo. Muito menos com algumas cuecas jogadas e meias fedorentas. Claramente Hayes não tinha aparecido durante a troca de roupas e banho; ou ela teria ouvido gritos e não presenciaria aquela cena apocalíptica.

Um banho quente era o que precisava para melhorar. Ou pelo menos foi o que tentou convencer a si mesma quando enfiou dois analgésicos pela garganta, vestiu jeans e camisa, esquentou-se com o casaco do time e recolheu as coisas para ir em direção a escola.

Geralmente os treinos duravam em torno de duas horas, quatro por semana, duas folgas e o dia de jogo. Mas esse ano as coisas pareciam rápidas demais; apavorantes demais. Porém, pensar sobre isso já estava ficando um saco. Porque era. Porque se concentrar no "agora" era bem mais atraente, e é o que tinha que fazer.

Com essa determinação Pandora cruzou a porta para voltar ao gramado.

— Ô cacete, Bryan! — Gritou quando como um déjà vu, caiu sobre o corpo masculino. Dessa vez sem as mãos para segurarem, os dois tornozelos giraram e o peso da mochila num dos ombros intensificou a ida pro chão. As costas batendo contra mais terra do que grama e todo o oxigênio do mundo evaporando; causando a sensação de falta de ar.

Suas mãos apertaram instintivamente o peito, procurando ar.

— Você bateu com as costas! — Ele disse.

A sensação de frio concentrando na sua espinha foi ainda pior do que não conseguir respirar. 

Porque não era a voz conhecida de Bryan, ou de qualquer outro garoto do time.

Meu Deus.

Matthew Boyer agachou-se, passando um dos braços por debaixo das costas da garota e a erguendo com suavidade, mas força a manteve sentada. A visão de Pandora saiu de foco por alguns segundos; ainda sem se decidir se era por conta da dor no tornozelo, porque estava morrendo asfixiada ou por ele ser a última pessoa que veria antes de morrer.

Meu Deus.

— Não consegue respirar não é? — Argumentou retórico. Ela sentia as costas retas, sendo sustentada pelo bíceps e antebraço do rapaz. Aos poucos, o impacto da queda ia amenizando. — Tenta respirar pelo nariz; sente seu diafragma aqui? Se concentra nele. — Orientou; a mão livre repousando na barriga da wide.

Certo, ela iria morrer.

Os pensamentos mais incomuns começaram a cruzar sua mente. E quando um deles constatou que o queixo de Matt Boyer era extremamente bonito assim tão de perto foi quando ela girou e preferiu bater com o rosto na terra do que insistir naquilo.

Agora com os pulmões trabalhando melhor, refrigerados pelo máximo de oxigênio que conseguia puxar, o gosto nostálgico de terra de quando fazia bolinhos quando criança não parecia tão ruim. 

Agradeceu mentalmente por ter certeza que a terra e a grama cobririam o avermelhado das bochechas.

O erro de cálculo aconteceu quando Matt tocou-a mais uma vez, ajudando a se erguer. Queria gritar para que saísse. E iria ficar uma cena ainda melhor; pensou.

A cara suja berrando um don't touch me para aquele cara.

— Você pode parar de tentar me erguer! — Saiu mais como um grunhido. Matt pestanejou, com as mãos ainda sobre seus ombros e o corpo inclinado. — Tô falando pra sair! — Disse com mais força.

Meu Deus.

— Tudo bem. — Respondeu. Pandora não teve tempo de praguejar, quando o cotovelo mal apoiado no chão perdeu a ajuda do jogador o que a levou ao chão pela terceira vez. Com a boca fechada, entrou menos terra do que o esperado. 

Desejou rapidamente ficar ali para o resto da vida.

Dignidade Pandora.

— Eu acho que...

— Eu to bem. — Ergueu-se com esforço sútil. Usando as mãos de apoio e erguendo o tronco devagar; o tornozelo latejando com o movimento. — Mas que merda você tá fazendo aqui Matthew Boyer? — Tentou ficar o mais reta possível, limpando os joelhos cobertos de sujeira.

— Dando uma olhada. Vocês tem uma ótima infraestrutura.

— Infraestrutura? — Repetiu, erguendo as sobrancelhas. Teve que cuspir para tirar a areia da língua.

Era tanta ânsia acumulada por aquele quarterback que não deu razão a vergonha.

— Da última vez que eu estive aqui não pude perceber.

— Ah não? — Pandora cruzou os braços.

— Eu não sei se você lembra, mas estava ocupado demais passando por cima do seu time. — Cochichou, procurando algo nos bolsos. Pan ergueu um pouco mais o queixo, para o olhar direito. O rosto tranquilo, com suaves traços de maturidade quase não denunciavam a frase prepotente. Talvez já fosse natural; o que só intensificava a náusea de ficar ali. — Acho que deixei o celular na escola. Com licença. — Sorriu, com a arcada dentaria mais irritantemente perfeita que Pandora já havia visto. Quis ter oportunidade de quebrá-la num próximo jogo contra os Lions, da antiga escola de Matt. Mas isso não aconteceria.

Quando Matt já tinha atravessado o campo para o outro lado, e ela conseguiu ajeitar as mochilas nas costas foi que constatou a maior verdade de todas: uma vez quarterback, sempre  quarterback.

Como Não Se Apaixonar Por Um QuarterbackOnde histórias criam vida. Descubra agora